A capital mineira tem muito a aprender
Crise é a palavra de ordem há décadas na Argentina, onde estou. Diante de toda inflação e populismo, à direita e à esquerda, a cidade é uma lição de lugar onde se caminhar, pedalar, utilizar transporte coletivo e curtir a vida após o pôr do sol. Tudo com segurança. O número de estrangeiros que visitaram o Brasil em 2023? Cerca de 6 milhões. E só em Buenos Aires? Cerca de 3 milhões. Ou seja, uma cidade latino-americana sozinha recebeu a metade do que todas as cidades brasileiras receberam, juntas, de turistas estrangeiros em um ano.
Sou repetitivo, mas é função de professor. Buenos Aires, assim como tantos outros lugares, tem dado uso a partes históricas da cidade e aposta em arquitetos internacionais e nacionais para requalificar permanentemente o seu formato. Cidades merecem isso.
Não adianta ser alguém fechado observando apenas o que acontece na nossa cidade. A pior maneira de ajudar Belo Horizonte é não abrir os olhos para o que acontece no mundo. Buenos Aires ensina a cuidar de ruas.
Conheço cidades que optam por fechar completamente vias aos carros, deixando apenas circular pedestres, e esse modelo cabe em muitas localidades, é claro. Há opções híbridas que devem ser consideradas. Calle Corrientes se tornou um calçadão híbrido. Alguns calçadões mal implementados espantam comércios e empresas. Nessa via portenha, funciona assim: em parte do tempo quatro vias para todos, carros inclusive, depois só pedestres, bicicletas e ônibus. O morador quer chegar à porta da sua casa, evidente. A rua possui 24 teatros, com 44% da capacidade da cidade, além de 58 livrarias cercadas de estabelecimentos. Tudo movimentado o tempo todo. E os teatros possuem grandes telões de publicidade.
O mercado imobiliário por aqui não para. A cada vez que venho, parece que a cidade já se reconstruiu outra vez. Nos edifícios residenciais, não há desperdício nas fachadas. Quando eu vejo um lançamento em Belo Horizonte com um térreo repleto de jardins cafonas, muralhas imensas e recuos terríveis, penso que falhamos mais uma vez. O mérito é dos seres ocultos da nossa regulamentação urbana de péssima qualidade numa prefeitura em busca de rumo.
Caminhar por Buenos Aires é ver empreendimentos que valorizam a linha da calçada, evitando afastamentos sem sentido, com muita vitrine e espaço para empreender. Enquanto isso, na Savassi, surgem prédios com aqueles gramados barangas, sem espaço para lojas. E depois todo mundo se pergunta por qual razão a segurança isso ou aquilo. Causa. Efeito. Chega de fachada ativa, né?
Destaco: não estou falando de uma rica cidade asiática ou europeia: são “hermanos” que, mesmo abandonando o peronismo, e espero que para sempre (sem inventar outro “ismo”), ainda sofrem com efeitos terríveis de políticas econômicas nacionais erráticas por décadas. Não é a cidade perfeita, mas é muito melhor do que muitas das nossas!
Eu tenho horror a viadutos e, se pudesse, demoliria todos, começando pelo Complexo da Lagoinha. Na minha visão fantástica imaginária, eu os considero intestinos que deixaram o abdômen para se exporem fora do corpo e depois retornarem rumo à parte final do sistema digestivo. Bem, Buenos Aires me faz ser mais complacente. Na Recoleta, a Recova das Posadas e, em Palermo, o Paseo de Las Infantas e o Distrito Arcos foram maneiras encontradas de gerar vida onde não havia nada. Há comércio e gente aos montes. O viaduto Mitre, no bairro Chino, fez o impensável: elevou as linhas para abrir espaço para as pessoas integrando a vizinhança. Tudo ainda antes de Milei… Não faltam viadutos no Brasil que configuram opção de moradia. Falta realização. Não é “higienismo”. É algo básico que defendo: nenhuma pessoa deve morar na rua.
Estima-se cerca de mil pessoas em situação de rua em Buenos Aires. Dez vezes menos que na capital mineira. Há pobreza, mas há soluções. Com o câmbio desfavorável para nós, os argentinos passaram a nos visitar. O que ensinaremos sobre centros, fachadas, moradias, turismo, vias e viadutos? Por enquanto, temos muito a aprender.