As lições de urbanidade da antiga Villa 31
A antiga Villa 31, na Capital da Argentina, foi um dos pontos que visitei na última semana. E quem gosta de urbanismo, também deveria conhecer esse espaço com mais de 45.000 habitantes onde havia apenas uma rua asfaltada e nenhum ônibus circulava até 2015.
Flanar por Palermo e Recoleta configura uma inspiração sem fim para quem gosta de cidades, ainda mais observando que cada terreno em construção não desperdiça espaço como vemos no Brasil. Visitar uma favela portenha já foge um pouco do circuito turístico típico. Valeu a pena. Defendo que a urbanização das nossas favelas brasileiras não pode se resumir a corrimãos ou projetos habitacionais ultrapassados do Programa “Minha Casa, Minha Vida”. E já falei anteriormente dos muitos erros que esse programa habitacional brasileiro possui. Acrescento mais um: não há diferentes tamanhos de unidades em conjuntos feitos na mesma localidade, o que não é o caso aqui na Argentina. Há uma mistura de tamanhos de apartamentos considerando o óbvio: existe uma mistura de tamanhos de famílias que podem ser grandes ou pequenas. O erro que persiste no programa brasileiro não se repete nesse local de Buenos Aires.
O que mudou? 1.000 famílias moravam embaixo do viaduto que originou a favela. Nenhuma mais. Todas as pessoas em áreas insalubres ou de risco foram removidas para prédios erguidos por perto. Há um sistema de transporte público permanente e as ruas estão asfaltadas. Com número. Com placa. O morador da favela precisa de rua com nome. Sem endereço não há dignidade. Os imóveis foram todos regularizados. Ou seja: um mutirão de regularização fundiária garantiu a propriedade aos moradores. 3.000 imóveis passaram a ter água, energia, escada, janela e porta com reformas subsidiadas pela prefeitura.
Não só de asfalto vive um bairro: árvores! Houve uma preocupação com a arborização da favela, algo que raramente vejo nos projetos das nossas favelas. Calçadas. Murais. E muitos centros de convivência e capacitação foram instalados onde os moradores podem realizar oficinas onde se preparam para as principais vagas de trabalho da cidade. Aliás, se tem algo que estou escutando em Belo Horizonte é a dificuldade de contratar mão de obra de qualidade…
Geralmente, ao vermos as obras de habitação em favelas brasileiras, observamos que toda a edificação é destinada apenas a residências sem nenhum espaço para comércio. Nessa favela argentina, as obras habitacionais possuem seus térreos todos destinados a comércio. E não há espaços comerciais apenas da favela, mas bancos, redes de alimentação e varejo também. E há uma exigência pública: empregar quem vive na própria comunidade.
Todo os espaço está repleto de câmeras de vigilância. Isso mesmo. O poder público interviu para liberar a comunidade de traficantes, pois não deve existir esse tipo de ideia de território onde o poder público abre mão de sua soberania permitindo que o medo seja uma constante. A segurança chegou antes para a prefeitura poder chegar direito. Tudo aconteceu em conjunto com a população, que decidiu democraticamente sobre o nome das ruas, o planejamento urbano do bairro, os equipamentos, a programação… e até o nome.
O espaço deixou de ser a Villa 31 para ser o Bairro Mugica, em homenagem ao nome do padre que sempre defendeu favelados e foi assassinado durante a ditadura militar na Argentina. Vejam o que se fez em uma década. Já vivenciei calor e frio em Buenos Aires. Ambos são intensos. E as obras feitas nessa localidade possuem calefação e placas solares para aquecimento d’água. Pobre pode, né? A prefeitura ainda criou uma grande usina de reciclagem com horta comunitária. A sustentabilidade não ficou de fora do projeto. Pobre merece, né?
A Câmara Municipal de Belo Horizonte aprovou um projeto de lei de autoria do Poder Executivo no fim de 2024 que, entre várias medidas, cria uma Coordenadoria para as favelas e vilas da cidade. Fica minha dica a quem for ocupar a função: conhecer esse local inspirador distante apenas três horas de voo direto da nossa Capital. Com direito a alfajores e medialunas.