A lição amarga da barganha política

Indicação de cargo e impacto na educação de BH

Houve um tempo em que a Secretaria de Educação era tratada como prioridade. Em Belo Horizonte, ao que tudo indica, virou moeda de troca. Documentos da Justiça Eleitoral, dados do IDEB e mensagens obtidas pela Polícia Federal compõem um enredo que, mesmo diante da morte do ex-prefeito Fuad Noman, exige ser narrado com lucidez — porque os efeitos dessa história ainda estão entre nós, vivos, sentados em carteiras de escolas públicas que amargam quedas sucessivas nos indicadores de aprendizagem.

O cenário começa com uma decisão política: Fuad Noman, então prefeito sem densidade eleitoral, decide se candidatar à reeleição em 2024. Nas pesquisas, mal ultrapassava os 9% de intenção de voto. Era pouco conhecido, não tinha o carisma do antecessor, tampouco uma marca de gestão que encantasse. Resolveu apostar em coligações. Queria mais tempo de televisão. Mais dinheiro para campanha. Queria continuar.

É nesse contexto que o União Brasil entra em cena. O partido ofereceu o que Fuad precisava: tempo de propaganda e recursos abundantes. Em troca, queria poder. E poder, no Brasil, também se mede em secretarias. Segundo reportagem do jornal “O Globo”, revelada pela jornalista Malu Gaspar, Fuad Noman negociou diretamente, por WhatsApp, com o empresário José Marcos de Moura — conhecido como Rei do Lixo (que talvez vai contar com uma estátua na nossa cidade) e figura influente na cúpula do União Brasil — a entrega da Secretaria Municipal de Educação. Moura exigiu. Fuad resistiu. Moura insistiu. Fuad cedeu. E Bruno Barral, ex-secretário de Salvador e apadrinhado do partido, foi nomeado.

Não se tratava de qualquer pasta. A Educação é, ou deveria ser, a espinha dorsal de uma cidade que mira o futuro. No entanto, foi colocada à disposição de um acordo que, embora político, revela-se profundamente patrimonialista. A contrapartida? O União Brasil tornou-se o maior financiador da campanha de Fuad: R$ 7,5 milhões em doações oficiais — 34% de tudo o que foi arrecadado. O PSD, partido de Fuad, doou menos: R$ 7,4 milhões. As duas legendas bancaram dois terços da campanha. Em troca, o União Brasil não apenas indicou o secretário da Educação, como também o vice-prefeito, Álvaro Damião — hoje prefeito de Belo Horizonte.

Barral foi mantido no cargo. Contudo, em março de 2025, a história deu meia-volta. No mesmo dia em que Álvaro Damião tomou posse como novo prefeito — após o falecimento de Fuad —, o Secretário de Educação foi afastado, pois se tornara alvo da terceira fase da Operação Overclean, da Polícia Federal, acusado de participação em esquemas de corrupção durante sua gestão anterior na Bahia.

Assim, fecha-se o ciclo: um prefeito sem intenção de votos compra apoio político cedendo uma secretaria vital; um partido financia essa campanha e emplaca aliados no coração da gestão; o secretário nomeado é afastado por suspeita de corrupção; e o vice do mesmo partido assume o cargo máximo do município. Difícil não ver nisso um manual contemporâneo do uso privado do público.

Enquanto isso, a educação municipal não avança. O IDEB nos anos finais do ensino fundamental caiu de 4,9 (em 2017) para 4,5 (em 2023). Nos anos iniciais, estagnou. Belo Horizonte, que já liderou rankings de qualidade, hoje se acomoda na média. Não por acaso. O foco deslocou-se da política educacional para a política eleitoral. As decisões estratégicas da área passaram a ser tomadas não com base em projetos pedagógicos, mas em pactos partidários. E o preço se mede em alunos que aprendem menos, professores que desanimam e escolas que perdem a direção.

Fuad Noman não está mais entre nós. Sua memória merece respeito. Todavia, sua trajetória pública — inclusive seus atos como prefeito — deve ser analisada com clareza. Afinal, o que está em jogo é o futuro de uma geração de estudantes e a integridade das instituições democráticas, algo bem mais valioso do que os dólares e as joias apreendidos pela Policia Federal num cofre no apartamento do ex-secretário de educação Bruno Barral.

É possível que nada disso seja ilegal. O que não significa que seja aceitável. A cidade que permite que a educação seja loteada por partidos não está apenas comprometendo seu presente — está hipotecando seu futuro. Belo Horizonte precisa reaprender uma lição elementar: o interesse público não pode ser trocado por tempo de televisão. Nem por milhões de fundo eleitoral. Muito menos por silêncio. Calado eu não fico.

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Gabriel de a a z

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