A Savassi é nossa! (e pode ficar parecida com lugares em Buenos Aires e em Vilnius)

Nossa! Faz muito tempo que estou sem escrever aqui! Confesso eu tinha uma meta! Pensei até em dobrá-la, mas… Surgiram alunos, mais alunos e mais alunos! Não planejava me tornar professor de mais disciplinas em outra faculdade. Ocorreu! Estou muito contente com isso, mas escrever uma postagem por dia não tem sido possível. A prioridade tem sido preparar aulas boas! Todavia, nesse domingo, me senti motivado a voltar aqui. Vejamos se a falta de tempo me faz escrever textos menores! Fui num evento chamado “A Savassi é nossa!”, realizado em Belo Horizonte. Valeu muito a pena! Conheci muita gente a fim de se dedicar à cidade e me juntei a eles.

Se você quer manter limpa a sua cidade, comece varrendo diante de sua casa.

A – Eu fiquei muito desapontando comigo hoje. “Quem foi Antônio de Albuquerque?” Eu, do alto do meu orgulho em saber os nomes das praças, das ruas, das estátuas, dos bairros e dos lugares de Belo Horizonte, me vi sendo pego de calças arreadas! Não sabia a resposta. Isso me lembrou o dia em que Antonio Anastasia me perguntou qual era o nome do regimento de cavalaria do Vice-Rei da Índia, deixando esse cavalariano muito indignado na mesa de jantar, repleta de pessoas que acabavam de me ver falar pelos cotovelos sobre a cavalaria, como se eu tivesse lutado na Guerra do Paraguai. Esbugalhei meus olhos de sagui sem disfarçar que não faz ideia da resposta. Nunca mais me esqueci que se tratava dos Lanceiros de Bengala. Também não vou me esquecer que Antônio de Albuquerque foi o primeiro governador de Minas Gerais. Que falha lastimável… E por qual razão falo dele?

BAntonio de Albuquerque é uma importante rua da Savassi. E a Savassi é um lugar que existe no imaginário de todos os belo-horizontinos. Como é que explico isso para vocês? Todo mundo sabe que Belo Horizonte foi planejada no fim do século XIX para ser a nova capital. Nas cercanias da Praça da Liberdade, começaram a se instalar os funcionários públicos que se mudavam de Ouro Preto, a antiga capital, para trabalharem nas secretarias recém construídas. Pronto! O bairro recebeu o nome por conta disso: funcionários. E se chama assim até hoje. Porém, na década de trinta, Amilcare Savassi, um comerciante, resolveu abrir as portas da Padaria Savassi no cruzamento entre as avenidas Cristóvão Colombo e Getúlio Vargas (a última recém batizada em pleno Estado Novo para homenagear o Presidente da República).

C – Quando Amilcare Savassi criou o estabelecimento, não poderia imaginar que seu sobrenome batizaria uma região que seria uma das mais importantes da capital mineira, reconhecida para além da cidade. Os jovens frequentadores do estabelecimento, conhecidos como Turma da Savassi, fizeram com que a Praça Diogo de Vasconcelos fosse logo chamada Praça da Savassi. É difícil explicar o conceito de praça em Belo Horizonte para quem não é daqui! (Às vezes, trata-se do cruzamento de duas avenidas e duas ruas num asterisco urbano apenas!) O nome se espalhou e boa parte do bairro chamado Funcionários passou a ser denominado Savassi e reconhecido por esse sobrenome italiano.

D – Ao longo da história, a Savassi foi se tornando cada vez mais especial. Nos anos cinquenta, com a chegada do rock’n’roll à cidade e a inauguração do Cine Pathé (lamentavelmente fechado e transformado em estacionamento hoje em dia), a região virou um ponto de efervescência cultural. Nas décadas de sessenta e setenta, se firmou como polo comercial com o nascimento de várias boutiques de moda. Na década de oitenta, as ruas Pernambuco e Antonio Albuquerque foram fechadas próximas ao cruzamento das avenidas Getúlio Vargas e Cristóvão Colombo e ganharam cafés, bares, livrarias e restaurantes. Eu estava nascendo! Uma grande amiga chamada Nely Rosa, que mora na Praça da Savassi, foi uma das responsáveis por esse momento com a criação do Bar e Café São Jorge, além da  Casa dos Contos, dois lugares que misturavam artistas e políticos. Veio a década de noventa, os shopping centers, a criminalidade, o vandalismo, alguns erros na administração pública e… E a Savassi acabou pagando um preço por isso.

E – Apesar dos moradores receberem correspondências onde se lê “Funcionários” no campo do bairro, a Savassi foi oficializada pelo poder público desde 2009. Quem conhece sabe que é um espaço plural, rico em diversidade e beleza. Cultura, comércio, serviços e turismo de qualidade foram um conjunto criativo e atrativo para moradores, trabalhadores e turistas. Um lugar para se andar à pé observando e saboreando o prazer de estar na rua. Eu sou desses, passo pela Savassi praticamente todo dia de bicicleta. Você pode visitar uma galeria de arte, tomar um cafezinho, passar no banco ou na padaria, conferir uma exposição ou curtir a noite com suas inúmeras opções de bares e gastronomia. Eu frequento uma academia que fica ali. Sem falar em reuniões, almoços, encontros com amigos e eventos de rua. A maior parte dos eventos de rua em Belo Horizonte acontece nesse local. Esse foi o caso do domingo!

FDois grandes amigos, Henrique Chaves e Bárbara Dutra, me convidaram para um evento incrível que o casal organizou. Com o objetivo de revitalizar a região da Savassi e ocupar o espaço público que surgiu o festival A Savassi é nossa, realizado nos dias 24 e 25 de outubro de 2015. O evento reuniu música, teatro, poesia, arte, moda e gastronomia nos quarteirões da rua Fernandes Tourinho, entre as avenidas Cristóvão Colombo e Getúlio Vargas. Nos dois dias, as ruas foram ocupadas. No sábado, a trilha sonora ficou por conta de Thiago Delegado e Roberto Menescal, Mahmundi, que misturaram música eletrônica, indie rock e poesia, do trio instrumental de música cigana Peluqueria, o pocketshow de MC Papo e a discotecagem de DJ Bitt. Ao longo do dia, aconteceu o Sarau Vira Lata, com participação de Marcelo Yuka, ex-O Rappa, e, para fechar a noite, apresentação d dupla de música eletrônica Digitaria (BH/Barcelona). Já no domingo, o público assistiu aos shows do trio de samba-groove-soul Zevinipim e o Javalli, grupo que mistura rock, folk e blues, além de dois cortejos: o bloco de sopros Magnólia Carnajazz, com suas roupagens carnavalescas de jazz (um dos meus favoritos no carnaval da cidade), e a Trupe Ventania, coletivo mineiro de teatro que mistura música regional, palhaçaria e artes cênicas. O destaque do dia ficou com o cantor e compositor pernambucano Otto, que encerrou o festival. O evento recebeu sete restaurantes e bares da região, entre eles 2015, Pommodori, Doces de Portugal e Taco’s, além de nove foodtrucks de açaí, espetinhos, hambúrgueres e tapiocas. Também marcam presença coletivos de arte, como o QuartoAmado, (do meu amigo Bernardo Biagioni) e estilistas expoentes da nova geração mineira da moda, como Coletivo AMDO, Mínima e Ana Barros.

G – Esse é um dos eventos que toma conta da Savassi. Existem muitos outros! Notem que estamos falando de uma parte da cidade onde moram quase 50.000 pessoas! Existem 108 bares, 374 lojas de moda, 189 restaurantes, 34 cafés, 2 shoppings, 51 agências bancárias, 4 operadoras de celular, 6 universidades, 10 colégios particulares, 14 escolas de idioma, 19 livrarias e 30 hotéis.Ufa! Fiquei me perguntando se essa coletividade toda estaria organizada de alguma forma. Claro que sim! Existe a Associação de moradores e amigos da Savassi, criada em 2006, com o propósito de gerar uma mobilização social local visando o bem-estar coletivo e desenvolvimento territorial sustentável. E a minha amiga Bárbara Dutra me apresentou o presidente da associação, Nelson Galizzi. A conversa rendeu (regada a cerveja Wäls, de outro amigo chamado José Felipe, que está abrindo um bar novinho em folha na Savassi)! Foi ele, Nelson Galizzi que me fez a pergunta que eu não soube responder… Ainda participou do papo o Leonardo Salvo, dono da Urban Arts. Descobri que ele é primo do Sérgio Machado, artista de quem tem duas obras.

O objetivo principal da política é criar a amizade entre membros da cidade.

H – Nelson Galizzi é dentista, mas assim como eu, prefere pensar que é antes de tudo um cidadão. É dessas pessoas que faz diferença para a cidade. Num belo dia, notou que morava na rua Antonio de Albuquerque (aquele que foi o primeiro governador de Minas Gerais) e trabalhava também na mesma rua. Criou um conceito: a Via Albuquerque. Com qual propósito? Transformar para melhor o local onde ele vivia e trabalhava! Visivelmente repleto de conteúdo esse meu concidadão, após vivenciar as duas fases iniciais da vida (dependência e independência), passou para a fase mais importante: a interdependência! Essa vontade de conectar pessoas e cuidar da cidade de maneira genuína e despretensiosa, acabou levando-o para a presidência da associação de bairro. Durante nossa conversa, descobrimos outro amigo em comum: Fábio Veras, diretor do SEBRAE, um apaixonado por desenvolvimento local urbano. Em 2014, após ver muitas iniciativas pensadas para o bairro prosperar, Nelson Galizzi e sua turma deram início ao projeto “Savassi Criativa”.

I – Existe um conceito fundamental para cidades grandes: economia criativa! Ainda em 2014, o governador Antonio Anastasia inaugurou a Casa da Economia Criativa na Savassi. Se você clicar no link anterior, ele não vai abrir, pois o atual governo apagou todo o conteúdo da Agência Minas de 2003 a 2014. Todavia, esse vídeo no Youtube explica a bacana iniciativa. Aliás, estou lá dedilhando meu celular enquanto a Secretaria de Cultura da entrevista. Um papagaio de pirata por excelência.

J – A Savassi Criativa está no Facebook! E também tem site: savassicriativa.com.br ! Baseado nos conceitos preconizados pela Economia Criativa, o projeto pretende criar um ambiente fértil para o desenvolvimento humano e econômico. Os organizadores querem estimular os atores da comunidade local (moradores, amigos, empresários, instituições e órgãos públicos) a se envolverem com a criatividade de maneira integrada. Eles convidam todo mundo a fazer parte dessa história. Eu aceitei o convite e jeca comecei a dar palpites.

K – Nelson Galizzi me entregou o cartão e fiquei curioso com o formato. Tratava-se da figura geométrica da planta baixa da região da Savassi Criativa com suas ruas e avenidas. O mapa desenhado no material gráfico me lembrou muito outra iniciativa de sucesso. Estive recentemente em Buenos Aires. Dessa vez, fiquei num bairro chamado Palermo Viejo. Que lugar encantador! Acho que é o bairro mais criativo e extenso de Buenos Aires. Há nele história, ruas arborizadas e vida nas calçadas. Seu mais nobre habitante foi Jorge Luis Borges. O bairro foi eleito moradia de ilustrações independentes, criadores de tendências, artistas de toda espécie e comerciantes de moda. Trata-se de um espaço aberto que oferece uma grande experiência de design, cultura e comércio. Tudo se mistura! Qual é a grande atração turística? O próprio bairro! Ele possui alma!Com o objetivo de defender a identidade e personalidade do local, promover e difundir Palemo Viejo como Circuito de Desenho da Cidade de Buenos Aires e colaborar com o desenvolvimento permanente, criou-se, em 2009 o Grupo  Palermo Viejo, uma associação civil sem fins lucrativos que reúne mais de 120 locais. Se você quiser conhecer melhor a iniciativa Palermo Viejo, clique aqui.Propus essa troca de informações! Conheci os responsáveis pela iniciativa argentina, e os seis anos de atuação deles em Buenos Aires, podem ajudar muito os belo-horizontinos como inspiração! Vale conhecer o site, o Facebook, o Twitter, o google plus e o Instagram também.

Palermo Viejo, bairro de Buenos Aires (com desconto de 10% para quem usa bicicleta)

L – Querem ver um exemplo de por que a Savassi precisa de ações como essa? A loja do estilista mineiro Ronaldo Fraga, que fica justamente na rua onde foi o evento desse fim de semana, foi invadida por criminosos na sexta-feira (2 de outubro de 2015). Roupas foram levadas do estabelecimento, e a estimativa é que o prejuízo seja de R$ 50 mil. Confira a notícia na íntegra.

A gente só cria quando aquilo que se tem não corresponde ao sonho.

M – O episódio foi lamentável e gerou grande repercussão. O estilista colocou tapumes em protesto.

N – Isso me fez lembrar de outro local no mundo. Vilnius, a capital da Lituânia. Na realidade, quero falar de outra República fundada perto: Užupis!

0 – A República de Užupis, um subúrbio de Vilnius, autoproclamou-se independente em 1998. Um microestado com um presidente, um bispo, uma bandeira por cada estação do ano, uma constituição e onde Frank Zappa é idolatrado.

P – A constituição de Užupis foi escrita numa noite de Verão, em 1998, pelos cidadãos locais Romas Lileikis, atual presidente da república, e Tomas Cepaitis, ministro dos negócios estrangeiros. Em rigor, ninguém sabe qual dos dois redigiu este ou aquele artigo; do domínio público é a paixão do primeiro por cães e do segundo por gatos — e mais importante do que descobrir o autor, é a visão progressista dos direitos dos animais, como foi reconhecido, em 2002, em Užupis, durante uma cerimónia oficial, pelo então embaixador norte-americano na Lituânia, John Tefft, discursando com Louie, o seu cão, ao colo. Também conhecida por Constituição das Antigas Cidades (Medinas), a constituição rapidamente se tornou popular no bairro e para lá das suas fronteiras. A primeira placa, em metal, foi colocada numa parede no Café Užupio mas outras réplicas rapidamente preencheram uma parte de um muro da Paupio Gatve, primeiro em lituano e em inglês, mais tarde em francês e, desde 2002, nas línguas de Vílnius — russo, polaco, bielorrusso, georgiano e iídiche.

Na fronteira da República de Užupis

Q – Eu estive nesse pequeno lugarejo. Para chegar, percorri a curta distância que me separava da mais emblemática das pontes que cruzam as águas do Vilnia (a origem da toponímia da capital do país Báltico) e que marca a entrada no liliputiano território (0,60 km2) de Užupis — em lituano significa “do outro lado do rio”. As primeiras pontes sobre o Vilnia foram erguidas no século XVI, num tempo em que o bairro era habitado, na sua maior parte por judeus, comunidade que praticamente desapareceu com o Holocausto — e anos mais tarde, durante a ocupação soviética, nem o antigo cemitério foi poupado à destruição. As casas, deixadas ao abandono, rapidamente foram ocupadas por elementos marginais à sociedade, homens e mulheres sem um teto e prostitutas dividindo uma atmosfera tão diferente da que conheceram, enquanto residentes e em diferentes períodos, Felix Dzerzhinsky, polaco fundador da Cheka, a primeira polícia secreta da União Soviética, vulgarmente conhecido por Felix de Ferro, e Mikalojus Konstantinas Ciurlionis, pintor, compositor e escritor considerado um dos pioneiros da arte abstrata na Europa.

Fácil é sonhar todas as noites. Difícil é lutar por um sonho.

R – Mas Užupis, um dos subúrbios mais antigos de Vílnius, era já mencionado no século XV, quando a área era habitada por mercadores e artesãos e, mais tarde, por oficiais subalternos. A parte norte do território foi escolhida, em tempos, para acolher a Irmandade Ortodoxa do Espírito Santo — e por isso, muitos padres habitavam esta zona onde ainda hoje se erguem duas igrejas (Užupis também tem o seu próprio bispo).

S – Até à declaração de independência da Lituânia, em 1990, Užupis era um dos bairros mais negligentes da cidade, albergando um grande número de casas decrépitas, sem qualquer utilidade e vivendo a ameaça constante de se verem reduzidas a escombros. Mas, mesmo já antes do grito de liberdade, aquela que não raras vezes é comparada, devido ao seu caráter boêmio, a Montmartre, em Paris, ou a Christiania, em Copenhague, (dois lugares que visitei) era frequentada por pintores e poetas, uma tendência que foi sendo exacerbada nos últimos anos — num total de sete mil habitantes, mil estão ligados ao mundo das artes. 

T – As sementes para a independência de Užupis foram, na verdade, lançadas em 1995, três anos antes da sua materialização e como consequência da libertação da Lituânia do jugo soviético. Num abrir e fechar de olhos, estátuas de Lênin e de Marx foram derrubadas; Saulius Paukstys, um nativo de Užupis, há muitos anos admirador de Frank Zappa (1940-1993), cuja música fora proibida durante o regime soviético, começou a amadurecer a ideia de erguer uma estátua do cantor americano, um desejo que, numa primeira fase, motivou uma onda de ceticismo junto das autoridades locais. Frank Zappa nunca pôs os pés em Užupis — ao contrário, por exemplo, de Dalai Lama, líder espiritual do budismo tibetano e um dos cidadãos honorários da república — e provavelmente pereceu sem ter a percepção do seu significado místico para os habitantes do bairro: ele permanece como o símbolo do fim do comunismo, firme num lugar que ainda há bem pouco tempo teria de ser ocupado pelos ícones de Lênin ou Marx.

U – Perante esta vitória, os habitantes de Užupis, determinados em cortar com o passado, decidiram dar mais um passo e declarar independência do governo central, com o argumento de que, mais do que nunca, era necessário proteger o bairro da negligência e da deterioração, reconquistando ao mesmo tempo, o seu sentido de individualidade, esmagado ao longo de mais de 50 anos de despotismo soviético.

V – Ignorado durante décadas e privado de quaisquer apoios, tanto governamentais como privados, o bairro tornou-se cenário privilegiado de uma minoria desfavorecida, sem capacidade para navegar nas ondas de um capitalismo acelerado pela proximidade à Europa e pelo estatuto de Patrimônio Mundial da UNESCO conferido à parte antiga da capital, com consequências previsíveis no aumento dos preços de aluguel das casas. Se para uns, viver em Užupis constituía (e ainda constitui) um prazer, para outros, menos ou nada vocacionados para as artes, não era mais do que uma necessidade, um refúgio barato que lhes permitia chegar ao fim do mês com mais algumas moedas no bolso.

X – Užupis, um micro estado que nenhum país reconhece mas com embaixadas espalhadas um pouco por todo o mundo — da mesma forma que algumas estão instaladas no bairro de Vílnius — tem quatro bandeiras, uma para cada estação (azul no Inverno, verde na Primavera, amarela no Verão e vermelha no Outono), e todos os anos, a 1 de Abril, comemora a sua independência. O Ano Novo é festejado a 20 de Março, coincidindo com o equinócio da Primavera, uma data em que os residentes são convidados a purificar o corpo, queimando os seus velhos pecados numa fogueira e dando um mergulho simbólico nas águas do Vilnia; mais para a frente, no segundo dia da Páscoa, celebra-se o Dia das Toalhas Brancas, uma cerimônia que tem lugar na esplanada do Café Užupio e que consta numa troca de cumprimentos e de partilha da comida, que restou da habitual refeição da Páscoa. Com sol ou com neve, este é um dos dias mais aguardados pelos habitantes de Užupis e no qual manifestam, como talvez em nenhum outro, o seu forte sentido comunitário.

WPassei uma manhã inteira nesse “país”. E ainda carimbei meu passaporte! Sim, eles carimbam o seu passaporte! E ainda possuem um exército de doze homens.

A Constituição da República de Užupis em placas com vários idiomas

Y – Estava quase indo embora quando notei inúmeras placas de metal numa parede. Era a constituição do país em vários idiomas. Não encontrei em português, mas havia um inglês que me ajudou. Essa ideia me pareceu adequada para o Nelson Gallazi. O que ele idealizou é uma “República da Savassi”. Disse que ele precisa escrever uma constituição! Afinal, um Estado se forma com território (isso ele já tem no espaço de sete por sete quarteirões), povo (há quase cinquenta mil habitantes “savassinos”) e organização jurídica! Pois bem, me comprometi a ajudar! Se vocês acham que  se trata de estatuto de associação civil estão muito enganados! A constituição de Užupis é quase um poema! Acho que é de poesia que a política anda precisado e não de mais leis. Que tal um local na praça onde os belo-horizontinos podem dar sua contribuição. Um para cada quarteirão da república está bom? A constituição deve traduzir uma cidade iluminada! Mobilizar gente para uma ação conjunta! Transformar a Savassi numa referência de qualidade de vida para a cidade, para o Estado e para o país! Por que não para o mundo? Vejam Užupis! Eles querem ser afetivos e abertos a todos que desejam ajudar. Para você ajudar, deixo na última letra a constituição que foi escrita pelos Uzupianos.

Z – A Constituição da República de Užupis:

1. Toda pessoa tem o direito de viver à beira do Rio Vilnele e o Rio Vilnele tem o direito de fluir por todos as pessoas.
2. Toda pessoa tem o direito à água quente, aquecimento no inverno e um telhado com telhas.
3. Toda pessoa tem o direito de morrer, mas isso não é uma obrigação. (essa é genial!)
4. Toda a pessoa tem o direito de cometer erros.
5. Toda a pessoa tem o direito de ser único.
6. Toda pessoa tem o direito de amar.
7. Toda a pessoa tem o direito de não ser amado, mas não necessariamente.
8. Toda a pessoa tem o direito de ser indistinto e desconhecido.
9. Toda pessoa tem direito a lentidão.
10. Toda a pessoa tem o direito de amar e cuidar de um gato.
11. Toda a pessoa tem o direito de cuidar do cão até que um deles morra.
12. Um cão tem o direito de ser um cão.
13. Um gato não é obrigado a amar seu dono, mas deve ajudar em tempo de necessidade.
14. Às vezes, todo mundo tem o direito de não estar ciente das suas funções.
15. Toda pessoa tem o direito de estar em dúvida, mas isso não é uma obrigação.
16. Toda pessoa tem o direito de ser feliz.
17. Toda a pessoa tem o direito de ser infeliz.
18. Toda a pessoa tem o direito de ficar em silêncio.
19. Toda pessoa tem direito a ter fé.
20. Ninguém tem o direito a violência.
21. Toda a pessoa tem o direito de apreciar a sua insignificância.
22. Ninguém tem o direito de ter um mesmo projeto pela eternidade.
23. Toda pessoa tem o direito de entender.
24. Toda pessoa tem o direito de entender nada.
25. Toda a pessoa tem o direito de ser de qualquer nacionalidade.
26. Toda a pessoa tem o direito de celebrar ou não seu aniversário.
27. Todo mundo deve se lembrar do próprio nome.
28. Todo mundo pode compartilhar o que possui.
29. Ninguém pode compartilhar o que não possui.
30. Toda a pessoa tem o direito de ter irmãos, irmãs e pais.
31. Todo mundo pode ser independente.
32. Cada um é responsável pela sua liberdade.
33. Toda pessoa tem direito a chorar.
34. Toda a pessoa tem o direito de ser mal interpretado.
35. Ninguém tem o direito de fazer outra pessoa se sentir culpada.
36. Toda a pessoa tem o direito de ser individual.
37. Toda pessoa tem direito a ter direitos.
38. Toda a pessoa tem o direito de não ter medo.
39. Não derrote.
40. Não revide.
41. Não se renda.

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