Calçadas hostis contribuem para cidades vazias. Cidades vazias, sem os “olhos da rua”, como definiu Jane Jacobs, são cidades inseguras.
Nessa semana, aqui em O TEMPO, a editoria de Cidades tocou num assunto essencial: o Código de Posturas de Belo Horizonte. Costumo dizer que Cidades deveria sempre estar nas primeiras e não nas últimas páginas de um jornal. Na primeira parte, estão as notícias classificadas como “política”. A matéria de Juliana Siqueira e Vitor Fórneas mostra como esses tópicos se misturam com a norma discutida no campo político influenciando diretamente nosso convívio urbano. Quero pegar um dos tópicos fundamentais na vida de uma cidade: as calçadas.
Calçadas ou passeios não são, nem de longe, a parte mais cara ou tecnicamente elaborada de uma construção ou de uma infraestrutura urbana. Impactam, porém, universalmente no acesso à cidade. A calçada garante o acesso ao carro, ao metrô, ao ônibus e ao táxi. A acessibilidade e a caminhabilidade são essenciais, mesmo para quem a princípio pense que não anda a pé: alguns metros até o ponto de ônibus ou o estacionamento já fazem uma diferença crucial para qualquer um, ainda mais aqueles com dificuldades de mobilidade ou com necessidades especiais.
A calçada é bem de uso público. É a prefeitura que regula, por exemplo, que árvores podem ser plantadas na calçada, e o morador depende da boa vontade do poder público para corte, destoca, plantio e poda. Contudo, é ao proprietário do imóvel que recai a responsabilidade caso as raízes da mesma árvore quebrem a calçada, afinal estamos numa cidade com essas regras estapafúrdias sem que o secretário João Fleury, que nunca trabalhou com política urbana, a frente da secretaria responsável, resolva perceber o problema…
O poder público ou um dos seus concessionários pode abrir a calçada alheia, fazer um remendo de qualquer jeito e a obrigação de manter a calçada segue sendo do dono do imóvel.
A situação das calçadas também é contraditória quando analisamos nossas prioridades enquanto cidade: é obrigação da prefeitura cuidar do asfalto, por onde circulam os carros, mas o trânsito de pedestres não é entendido como um problema do município. Desconheço, aliás, motorista que creia que seja uma boa ideia que cada dono de imóvel faça como der na telha o asfalto logo em frente ao seu espaço. Seria uma bagunça intransitável, certo? Pois as calçadas são.
Rachaduras, buracos, desníveis: tudo isso a prefeitura pode cobrar a manutenção dos imóveis lindeiros. Árvores, postes, comércio ambulante, todos também são obstáculos à circulação que o proprietário do imóvel não tem controle.
E nesse jogo de empurra, quem fica prejudicado? O pedestre e toda a cidade que depende da circulação de pessoas: o comerciante que vê o público escapando para os shoppings, os bares que dependem do tráfego nas ruas, o acesso à saúde e educação que dependem de trechos por calçadas, o acesso ao transporte coletivo e até o individual, que depende da caminhada até o ponto de embarque.
Calçadas hostis contribuem para cidades vazias. Cidades vazias, sem os “olhos da rua”, como definiu Jane Jacobs, são cidades inseguras. E assim vamos nos isolando na vida social e urbana a partir do Artigo 12 da Lei Municipal 8.616, de 14 de julho de 2003, que assim dispõe: “Cabe ao proprietário de imóvel lindeiro a logradouro público a construção do passeio em frente à testada respectiva, a sua manutenção e a sua conservação em perfeito estado.”
Esse pequeno conjunto de palavras, um trecho de uma lei cujos debates serão noticiados nos cadernos de política, provoca uma reação em cadeia que muda nossa vida em cidades. E este é apenas um das centenas de artigos do nosso Código de Posturas antiquado. A cidade que queremos também depende dessa discussão, que precisa ser feita sem o espírito tacanho, medíocre, e absurdamente lento que assombra as decisões de Belo Horizonte com um prefeito que está completamente perdido.
Em vez de pensar que “sempre foi assim”, por que não buscar exemplos de lugares onde as calçadas são acessíveis e agradáveis? O Belo-Horizontino não é pior que qualquer outro cidadão do mundo, e merece se mirar nos melhores exemplos. Em tempo: já passam anos desde que a Câmara Municipal mandou um conjunto de sugestões para que a prefeitura enviasse a atualização do Código de Posturas. Deve estar esquecido junto ao mascote dessa administração: uma tartaruga.