Belo Horizonte está jogando o futuro no lixo

Lixeira não é detalhe. É política pública visível

Pode parecer exagero, mas é possível medir o nível de civilização de uma cidade pelas suas lixeiras. Sim, pelas lixeiras que muitos nem notam, mas que, em várias partes do mundo, vêm se tornando símbolos de cuidado, inteligência urbana e sustentabilidade com o espaço público. Enquanto isso, Belo Horizonte ainda trata esse equipamento essencial como um problema menor — quando, na verdade, ele diz muito sobre quem somos e o que priorizamos.

Nos últimos dois anos, o avanço global foi notável. Em Tóquio, as lixeiras SmaGO são movidas a energia solar, compactam o lixo automaticamente e avisam quando estão cheias. E mais: foram revestidas com obras de artistas locais com deficiência. Tecnologia e inclusão na mesma calçada. Em Nova York, o prefeito Eric Adams declarou guerra aos sacos de lixo nas ruas e implantou lixeiras fechadas e padronizadas, que serão obrigatórias. Antes disso, a cidade já havia promovido o concurso “BetterBin”, redesenhando suas cestas de lixo com ergonomia, leveza e separação para recicláveis. Uma revolução silenciosa e civilizatória.

Estocolmo seguiu outro caminho: adotou lixeiras “Bigbelly” com sensores e compactadores movidos a energia solar. O resultado? Redução de até 80% nas coletas, menos caminhões na rua, menos emissões e mais eficiência. Em Madri, foram instalados 11 mil sensores em contêineres de resíduos. O caminhão só sai da garagem quando o sistema avisa que é necessário. Em Singapura, as lixeiras BINgo usam inteligência artificial para reconhecer o tipo de lixo descartado e orientar o usuário em tempo real. É a lixeira que educa.

Até a Austrália inova com afeto: em Brisbane, uma lixeira inteligente doa 10 centavos para a caridade cada vez que alguém recicla uma garrafa. A cada descarte, um gesto de solidariedade. E se tudo isso parece coisa de outro mundo, vale lembrar que aqui no Brasil, a cidade da Serra, no Espírito Santo, já implantou lixeiras subterrâneas com sensores. Quando enchem, a central é avisada, e o caminhão só vai até lá se precisar. Mais limpo, mais eficiente, mais moderno. Feito pelos capixabas. Podia ter sido pelos mineiros… não é coisa de outro mundo.

E Belo Horizonte?

Ficamos no discurso de sempre: “tentamos separar recicláveis, mas a população não colabora”. Como se desistir fosse política pública. Como se o problema fosse o povo, e não a falta de planejamento, de ousadia, de persistência. Continuamos com lixeiras frágeis, vandalizados, que transbordam nas regiões centrais, que são corroídas pela água… Sem sensores, sem ergonomia, sem design, sem qualquer integração ao ambiente urbano. São lixeiras que não convidam ao uso — apenas acumulam o que ninguém quer ver.

Enquanto cidades como Seul adotam lixeiras triplas para orgânicos, recicláveis e rejeitos, e Amsterdã enterra seus contêineres sob o solo como Liverpool, Belo Horizonte ainda debate o básico: quantidade suficiente, manutenção constante, respeito com o espaço público. E o que é pior: quando alguém ousa propor algo diferente, ressurge o velho argumento do “isso aqui não vai funcionar”. O que não funciona é a mediocridade.

Nossa cidade tem tudo pra virar o jogo. Temos profissionais capacitados na SLU, universidades de ponta, startups, arquitetos criativos, garis que merecem respeito e reconhecimento. Falta só vontade política. Falta ambição urbana. Que tal começar com um piloto no entorno da Savassi, na Praça Sete, na orla da Pampulha? Que tal desafiar o setor privado, engajar a população, transformar lixeira em símbolo?

Porque é isso que ela pode ser. Lixeira não é detalhe. É política pública visível. É parte da conversa entre cidade e cidadão. É infraestrutura que comunica, educa e protege. Quem inova na lixeira, inova no todo. Quem organiza o descarte, organiza a cidade.

O futuro cabe numa lixeira. E Belo Horizonte não pode continuar jogando essa chance fora.

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Gabriel de a a z

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