A importância do apoio em momentos de luto
O Palácio da Liberdade abriu os seus portões para velar o ex-governador Newton Cardoso. Recuperando-me de uma cirurgia (a quarta na tortuosa trajetória de um septo nasal), não pude participar. Gostaria de ter ido. E gostaria de ter ido não por ser o presidente do MDB em Belo Horizonte.
Em 2020, meu pai faleceu. Era a pandemia. O velório não podia contar com a presença de amigos. E papai tinha muitos. E fizeram falta. Ouvi de alguém que o tempo transforma a dor em saudade. Tem sido verdade.
Queria ter abraçado um filho que perdeu o seu pai nesta semana. Queria ter dito essa mesma frase a ele. Nos últimos três anos, pelo desenrolar dos acontecimentos, Newton Cardoso Júnior, filho do Newton Cardoso, tornou-se meu amigo. É alguém com quem compartilho mais do que uma filiação partidária. Nascido em 1979, quando seu pai exercia o primeiro de três mandatos de deputado federal, teve nesses 45 anos de vida uma relação de pai e filho que desejo a todos os pais e filhos.
Se um adolescente espiasse o palácio durante o velório, muito provavelmente se perguntaria quem foi Newton Cardoso. A não ser que ele viesse de Contagem, onde, enquanto prefeito por três vezes, “Newtão” soube moldar a cidade. O correr das décadas não é muito generoso com a memória brasileira. Gosto de compreender nossos momentos políticos por períodos. Sendo de Belo Horizonte, a história do governo mineiro me interessa sobretudo a partir da construção da nossa capital. Assim, para entender melhor nosso enredo, tomo-o por conjuntos.
Somo Afonso Pena, Bias Fortes e Silviano Brandão. Reúno Olegário Maciel, Gustavo Capanema e Benedito Valadares. Agrupo Milton Campos, Juscelino Kubitschek e Clóvis Salgado. Sozinhos, cada um desses possuem governos. Juntos, eles formam épocas.
De 1982 a 2002, Tancredo Neves, Hélio Garcia, Newton Cardoso, Eduardo Azeredo e Itamar Franco escreveram páginas de uma Minas Gerais que esse adolescente no ônibus não sabe que existiu. Nesses 20 anos, esses nomes se entrelaçaram. Eleito governador pelo PMDB derrotando o candidato da ditadura, Tancredo Neves renunciou ao mandato dois anos depois para disputar a Presidência, em 1984, transformando Hélio Garcia, seu vice, também do PMDB, em governador. Em 1986, a unidade do PMDB tinha se esfarelado. Hélio Garcia queria que Melo Freire fosse o candidato a governador, mas ele desistiu de ser. Itamar Franco, preterido no PMDB, candidatou-se pelo PL. Newton Cardoso não deixou a oportunidade passar e brigou para chegar ao governo. Primeiro, derrotou Pimenta da Veiga na convenção partidária. Depois, participou de uma briga entre baianos – ele nascido em Brumado, e Itamar Franco registrado em Salvador. Venceu e ficou até ver a volta de Hélio Garcia, que foi sucedido por Eduardo Azeredo, filiado no PSDB e saído do PMDB. O mundo girou, e… Itamar e Newton, adversários em 1986, formaram uma chapa em 1998, ocupando como governador e vice-governador o governo mineiro até 2002. Tudo sem mídias sociais. Outra era.
Compreender essas duas décadas é fundamental para qualquer um que queira se aventurar na política em Minas Gerais. Ficou um molde para quem vinha. Uma espécie de alto-forno que reduz todos nós a ferro-gusa. Sem compreender essa reação, muitos jamais chegam à condição de aço. Ser político mineiro não é tarefa para quem se quebra ou se deixa quebrar. É o segredo da maleabilidade do metal que se molda sem se romper. É essa parcela da nossa história que se foi, mas fica.
Espero que meu amigo Newtinho e sua família encontrem no que permanece do pai, do avô, do irmão mais do que a história possa extrair dele. Não tive muitas oportunidades de conversar com o ex-governador. Foram apenas cinco vezes. E sempre ria comigo quando ele chamava seu filho pelo apelido: Nuno. Um político cujo apelido era “trator” diminuía o barulho do seu motor personalíssimo para, num tom delicado, tratar de seu filho. E que bom que, enquanto amigo, tive a chance de presenciar esse carinho de perto. Essa é a preciosidade do fato. Essa é a mineiridade do fato. O resto é só coisa de político.