A lição é simples: escolas seguras nascem da confiança, da escuta e do vínculo. Estrutura e valorização profissional são complementares
Se eu pudesse olhar nos olhos de cada professora e professor de Minas Gerais, eu diria que sei o que vocês passam.Em sala de aula, cada dia é um exercício de coragem. A desvalorização, a violência escolar e a falta de vínculo institucional fazem parte da rotina de quem insiste em ensinar num cenário de abandono.
Recentemente fui convidado a dar uma aula-exemplo em uma escola de ensino médio. Bastava conquistar a atenção dos alunos por 60 minutos. E não consegui. O uso do celular era proibido, e a ausência dele deixava muitos impacientes, incapazes de se concentrar. Era uma angústia nova: adolescentes desconectados da própria atenção. Ali percebi o que é a violência silenciosa nas escolas. Ela não aparece nas manchetes, corrói autoridade, esperança e respeito.
Em Cubatão, no litoral paulista, uma experiência pública mostrou que mudança depende de política, não de heroísmo. A Escola Parque dos Sonhos, conhecida como “Parque dos Pesadelos”, foi reerguida pelo diretor Régis Marques Ribeiro com apoio da comunidade. Desde 2021 não há registros de vandalismo. As matrículas cresceram de pouco mais de 100 para 600 e o desempenho subiu de 2,2, em 2014, para 4,5, em 2024, segundo a Secretaria de Educação de São Paulo.
Minas Gerais precisa dessa inspiração. Em 2023 foram 21 mil ocorrências de violência em escolas, aumento de 7,7%em relação a 2022. O Disque 100 recebeu 1.207 denúncias, envolvendo mais de 6.000 violações. Esses números são histórias de dor: alunos confusos, famílias perdidas, professores cansados.
Há também a violência institucional. Oito em cada dez docentes da rede estadual são temporários. Apenas 19,6% têm vínculo efetivo, o menor índice do país, segundo o Inep. Em 2014 havia mais de 60 mil professores efetivos ou estabilizados. Em 2023 restam cerca de 31 mil, uma queda superior a 50%. O total de docentes se manteve estável — a diferença foi coberta por contratos precários.
O salário-base de um professor estadual é de R$ 2.350 para 24 horas semanais, abaixo do piso nacional de R$ 4.580.Faltam concursos, plano de carreira e estabilidade. O Estado cobra dedicação de quem vive na incerteza. Ninguém ensina bem onde o vínculo é frágil.
Houve um tempo em que Minas acreditou que a escola podia ser o centro da comunidade. Em 2003, o programa Escola Viva, Comunidade Ativa reduziu o vandalismo em até 50%. Depois veio o Escola Aberta, no governo de Fernando Pimentel. Nenhum teve continuidade após 2019, quando o governo Romeu Zema encerrou as iniciativas.
Minas precisa de um novo ciclo. O piso deve ser vinculado ao minério, criando um valor do minério para financiar a valorização docente e a infraestrutura. É urgente recompor o quadro efetivo, garantir progressão por tempo e titulação e reconstruir a rede estadual de ensino fundamental. A escola precisa voltar a ser o centro da comunidade, com gestão democrática, autonomia pedagógica e integração entre Cras e escola.
O Sind-UTE-MG criou o prêmio Escola Viva é Escola sem Medo, que reconhece professores e escolas que constroem paz onde havia medo. Num país acostumado a aplaudir o grito, valorizar quem escuta é ato de civilização.
A Finlândia, com o programa KiVa, eliminou o bullying em 80% das escolas. Em Oakland (EUA), práticas de justiça restaurativa reduziram 77% das violências e 87% das suspensões. A lição é simples: escolas seguras nascem da confiança, da escuta e do vínculo.
Estrutura e valorização profissional são complementares. Reformar prédios sem valorizar quem ensina é tão insuficiente quanto valorizar sem investir em condições dignas.
O futuro de Minas começa em cada sala de aula, quando alguém respira fundo, pede silêncio e tenta, mais uma vez, ser ouvido. Essa pessoa precisa de nós. Minas não precisa de briga, precisa de solução.


