O Estado precisa assumir o comando de uma política habitacional integrada, com apoio técnico, normas claras e recursos estáveis
Minas Gerais reduziu o déficit habitacional de 556.681 para 478.756 domicílios entre 2022 e 2023. A queda foi de 14%, segundo a Fundação João Pinheiro, órgão técnico responsável pela medição oficial do déficit habitacional no Brasil. O mesmo levantamento aponta 1.329.725 moradias com algum tipo de inadequação, o equivalente a 19,1% do estoque habitacional mineiro. O diagnóstico existe. A resposta ainda é insuficiente diante da escala do problema.
É preciso dizer isso sem negar os avanços. A população está cansada de disputas eleitorais baseadas apenas em críticas. Políticas públicas não começam do zero a cada governo. Elas avançam quando acertos são reconhecidos e corrigidos, não quando são apagados.
Uberlândia ajuda a entender os limites atuais. Em audiência pública na Câmara Municipal, a prefeitura informou 14,9 mil pessoas inscritas em programas habitacionais. No mesmo debate, dados municipais indicaram cerca de 133 mil moradores vivendo em áreas irregulares. A economia cresce. A produção estruturada de moradia social não acompanhou esse movimento. A terra encarece. O Estado, que deveria coordenar e apoiar os municípios, também não ocupou plenamente esse espaço.
Na regularização fundiária, o desempenho foi mais consistente. O programa Minas Reurb, executado pela Cohab Minas e pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, beneficiou mais de 241 mil pessoas desde 2019. Foram entregues 19 mil títulos e viabilizadas mais de 80 mil escrituras em 298 municípios. Quando o Estado articula cartórios, órgãos de registro e prefeituras, o resultado aparece.
O Vale do Jequitinhonha evidencia isso. Em Carai, 792 famílias receberam a escritura, alcançando mais de 2.000 moradores. Em Catuji, foram 239 títulos, beneficiando mais de 700 pessoas. Na Zona da Mata, o núcleo Colônia Padre Damião, em Ubá, teve 585 unidades regularizadas, com 126 títulos registrados em agosto de 2025. Em todos esses casos, o Estado chegou aonde o município teria dificuldade de chegar sozinho.
Esse avanço precisa ser reconhecido. A regularização fundiária dá integração territorial, patrimônio e segurança jurídica. Também tem impacto direto na segurança pública. Áreas urbanas não regularizadas tornam-se espaços onde facções criminosas encontram ambiente favorável para se organizar. Urbanizar é proteger. A política urbana é uma das políticas de segurança mais eficazes que o Estado pode executar.
Os dados mostram onde está o desafio seguinte. Segundo a Fundação João Pinheiro, 76,5% do déficit habitacional mineiro decorrem do ônus excessivo com aluguel urbano. Outros 15,9% vêm da coabitação familiar não desejada.Mais 7,6% resultam de habitação precária. A política estadual concentrou esforços em cartórios, regularização e títulos. Atuou pouco na produção de novas moradias, no aluguel social e em um fundo permanente de habitação.
O próximo passo exige continuidade e coordenação. A Fundação João Pinheiro segue responsável por medir e monitorar. O governo estadual precisa assumir o comando de uma política habitacional integrada, com apoio técnico, normas claras e recursos estáveis. As prefeituras devem liderar a implementação nos bairros, com projetos consistentes e terrenos bem localizados. A União precisa atuar como financiadora estrutural.
Minha pesquisa de doutorado em habitação sustentável toma Viena, na Áustria, como referência. Estudos europeus indicam que cerca de metade da população vienense vive em moradias cooperativas, públicas ou subsidiadas. O orçamento anual da cidade para habitação social supera 400 milhões de euros. Cada nível de governo cumpre seu papel. Nada começa do zero. Tudo é continuidade com método.
Minas Gerais precisa seguir esse caminho. Reconhecer os acertos, corrigir os limites e avançar. Escritura é começo. Bairro urbanizado, casa digna e cidade equilibrada precisam virar política de Estado e direito efetivo de toda família mineira.


