Nós diante das transformações no trabalho

Ou o país requalifica sua força, ou vai regredir

Enquanto mais um escândalo assola o INSS, trago-lhes outro desafio. Até 2030, o Brasil terá de requalificar 60 milhões de pessoas. Isso não é retórica: é a projeção contundente do estudo Transformações do Mercado de Trabalho até 2030, elaborado pela Thomas & Scherer Gestão e Inovação. O dado corresponde a 60% da força de trabalho brasileira atual, que somava cerca de 100 milhões de pessoas em 2024 segundo a PNAD Contínua. E não se trata apenas de aprendizado técnico. Trata-se de garantir a sobrevivência econômica de uma nação em transição.

Vivemos uma transformação estrutural provocada pela inteligência artificial, envelhecimento populacional, emergência climática e reorganização produtiva. Segundo o “Future of Jobs Report” do Fórum Econômico Mundial, 22% dos empregos atuais no mundo desaparecerão até 2030. Ao mesmo tempo, surgirão 170 milhões de novas vagas, sobretudo em áreas ligadas à tecnologia, à saúde, à economia verde e ao cuidado.

No Brasil, essa transformação é ainda mais desafiadora. De um lado, jovens da Geração Z (nascidos entre 1997 e 2012) já representam cerca de 30% da força de trabalho global. São nativos digitais, contudo frequentemente chegam ao mercado sem formação técnica ou soft skills como comunicação e resiliência. De outro, trabalhadores 50+ e 60+ enfrentam altas taxas de desemprego de longa duração. E no centro disso tudo, um sistema legal que ainda tenta regular o século XXI com uma CLT de 1943.

A informalidade no Brasil alcança 39% da população economicamente ativa. Apenas 15% dos trabalhadores por conta própria contribuem para a previdência (num sistema que permitiu que minha mãe e minha tia fossem surrupiadas). Em 2022, havia 1,5 milhão de trabalhadores atuando por meio de plataformas digitais. Apesar da subordinação algorítmica, esses profissionais permanecem fora da proteção legal, num modelo de trabalho que amplifica desigualdades e precariza vínculos.

Diante disso, o estudo propõe a criação de uma nova “CLT 2.0”. A Dinamarca, com seu modelo de flexicuridade, permite ao empregador contratar e demitir com agilidade, ao mesmo tempo em que assegura dois anos de seguro-desemprego e programas públicos de requalificação. A Alemanha, com seu sistema dual, faz com que 70% dos jovens ingressem diretamente no mercado por meio de cursos técnicos combinados com estágio prático. Resultado: taxa de desemprego juvenil abaixo de 5%. E o Chile, com o programa ChileValora, já certificou mais de 1 milhão de trabalhadores com base em suas competências informais.

O Brasil já tem exemplos inspiradores: o Brazil Skills Accelerator, iniciativa em parceria com o SENAI e o Fórum Econômico Mundial, capacitou 3,4 milhões de pessoas desde 2022. A meta é chegar a 8 milhões até 2030. Ainda assim, é pouco. Precisamos de um Plano Nacional de Requalificação Produtiva com metas anuais, orçamento protegido e governança compartilhada.

A inclusão produtiva desses trabalhadores também exige resposta sistêmica. No país, 30,7% dos empreendedores têm mais de 55 anos. Contudo, 92% deles abriram seus negócios apenas por necessidade. Incentivar políticas públicas voltadas ao empreendedorismo sênior, à concessão de vouchers de capacitação e à redução do ageísmo corporativo é crucial.

A juventude também exige atenção. Flexibilidade, propósito e causas estão entre os maiores motivadores para a Geração Z, que rejeita ambientes hierárquicos, lentos e desconectados. A reformulação do ensino com foco em competências do século XXI, combinando formação técnica, pensamento crítico e educação digital, é urgente.

O futuro do trabalho já começou. E ele não espera. Como afirma Guto Scherer, da Fundação Ulysses Guimarães, no artigo que acompanha o estudo da Thomas & Scherer: “Cabe agora a governos, empresas, instituições de ensino e sociedade civil transformar conhecimento em ação”. O Brasil não pode ser coadjuvante de sua própria história. Ou requalificamos, ou regredimos. Seu representante em Brasília tem atuado por esse tema? Deveria.

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