A proposta de desestatização da Copasa não trata de investimentos, metas, qualidade ou tarifas, apenas autoriza a venda
O Projeto de Lei 4.380/2025, que autoriza a desestatização da Copasa, tem apenas nove artigos. É um texto pequeno diante de um problema imenso. A pergunta é direta: você já leu o projeto? Ler o texto é essencial, porque ele não trata de investimentos, metas, qualidade ou tarifas, apenas autoriza a venda da empresa. A lei que pode mudar o futuro da água em Minas Gerais cabe em uma página.
O artigo 1º autoriza o governo a adotar medidas para a desestatização. O artigo 2º define o termo como alienação de ações ou aumento de capital que leve à perda do controle estadual. O artigo 4º cria uma ação preferencial do Estado, sem garantir poder de veto sobre investimentos, políticas sociais, tarifas ou universalização. O artigo 7º determina que todo o dinheiro da venda vá para pagar a dívida pública, e nenhum centavo para ampliar o saneamento.
A Copasa é sociedade de economia mista desde 1963, com ações na B3 e controle do Estado. Atende 11,8 milhões de mineiros, em 637 municípios, com mais de 50 mil quilômetros de redes de água e esgoto. Em 2024, lucrou R$ 1,1 bilhão. Minas perde 36,7% da água tratada, o que representa 240 bilhões de litros por ano desperdiçados. Dos 853 municípios mineiros, 637 têm abastecimento de água e 308 contam com esgoto tratado. A cobertura de água é de 99% nas áreas atendidas e o tratamento de esgoto, 78,2%.
O PL 4.380 é um texto fiscal, não social, e ainda por cima faz mal ao próprio fiscal. Não há previsão de cobertura no longo prazo nem compensação pelos dividendos que o Estado deixará de receber. A Copasa é uma das empresas que mais distribuem lucros e dividendos entre as estatais mineiras, e parte desse valor hoje reforça o caixa público.Vender a empresa pode aliviar o curto prazo, mas enfraquecer o futuro.
Tramita junto ao projeto de desestatização o PL 4.552/2025, que cria o novo marco regulatório. Ele define princípios de continuidade, eficiência, modicidade e qualidade, fortalece a Arsae-MG, dá autonomia técnica e poder de fiscalização à agência, cria um Fundo Estadual de Saneamento e prevê tarifa social e planos de investimento obrigatórios. Avança, mas ainda não estabelece metas com prazos, não vincula recursos da venda ao saneamento e não garante subsídio cruzado entre regiões pobres e ricas.
No Rio de Janeiro, a privatização da Cedae rendeu R$ 22,7 bilhões, e R$ 4,5 bilhões foram distribuídos a 64 municípios. Em Minas Gerais, o projeto não prevê nada semelhante: todo o valor seria usado apenas para pagar a dívida estadual.
O modelo que defendo é o da participação privada sob controle público rigoroso. A Copasa deve continuar estatal, com concessões regionais, parcerias de investimento e PPPs com metas obrigatórias. A Arsae-MG precisa de autonomia, orçamento próprio, auditorias anuais e fiscalização efetiva. Sem regulação forte, qualquer privatização resulta em aumento de tarifas e queda de qualidade.
O caminho está testado. No Chile, empresas privadas atuam sob contratos de concessão fiscalizados pelo Estado, com subsídios diretos às famílias e 95% de cobertura de água e 91% de esgoto. Nas Filipinas, o Estado mantém a infraestrutura e contrata empresas privadas por 25 anos com metas anuais, o que reduziu as perdas de 63% para 12% e levou o abastecimento 24 horas a 97% dos lares. No Senegal, o modelo de arrendamento público com operação privada combina investimento estatal e gestão privada, alcançando 98% de cobertura urbana e alta de 33% nas ligações domiciliares.
Esses casos confirmam que o modelo que defendo é o certo: capital privado sob regulação pública, metas definidas e fiscalização permanente. O PL 4.380 autoriza, o PL 4.552 regula, porém Minas Gerais ainda precisa de um projeto que garanta resultado e justiça social. A água mineira exige gestão, não improviso. O Estado pode atrair a iniciativa privada com metas, regulação e vigilância permanente, assegurando que o investimento beneficie o povo, e não apenas o mercado.


