Esta história precisa continuar
O Bolão vai fechar. A frase correu os jornais como quem anuncia o fim de uma era. Meu celular disparou no último domingo. Em minutos, eu estava na Praça Duque de Caxias, de frente para as portas cerradas do bar que há mais de seis décadas alimenta alma, corpo e história no Santa Tereza.
Lá estavam Karla Rocha, que hoje toca o Bolão, e sua mãe, Márcia de Fátima Rocha, de 70 anos. Foi ela quem sustentou a cozinha durante décadas. Quem criou o Rochedão, prato farto e simbólico, que carrega no nome o sobrenome da família. Rocha. Rochedão. Rocha que não cede. Rocha que resiste.
Karla não está sozinha. Conta com a ajuda de familiares e funcionários que se tornaram parte da casa. Gente que cresceu vendo o Bolão funcionar como extensão da sala de estar da cidade. Um balcão de histórias, de encontros, de comida quente servida com alma.
O Bolão nasceu em 1961. Começou com salgados feitos em casa. Depois veio o espaguete à bolonhesa, servido madrugada adentro, quando a cidade ainda boêmia terminava suas noites no prato fundo do Bolão. Artistas, estudantes, taxistas e músicos – todos cabiam naquele salão. Era onde os músicos do Clube da Esquina se encontravam. Onde o pão era molhado no molho. Onde o balcão ouvia tudo, calado, firme e generoso.
A notícia do fechamento parece impossível. O Bolão é um daqueles lugares que pareciam eternos. Porém, nada é eterno sem apoio. A pandemia, os custos, o contrato e a sobrecarga foram se acumulando. Karla me contou tudo. E eu disse o que precisava ser dito: a gente não vai deixar. Essa história precisa continuar.
Recuperação
Na próxima semana, estarei na sede da CDL com Marcelo Souza e Silva, presidente da entidade, um amigo que a nossa cidade tem a sorte de poder chamar de “cidadão com C maiúsculo”. Ele também me ajudou a evitar o fim do Café Nice.Vamos montar um plano para o Bolão. Pode ser campanha de arrecadação, com a cozinha funcionando para brindes, entregas e visibilidade. Pode ser um show com artistas que já contaram com o Bolão tantas vezes. Pode ser curadoria, mentoria ou mobilização. O que não pode é a cidade cruzar os braços.
Belo Horizonte precisa parar de esperar que seus símbolos sobrevivam por milagre.
Fechamento de bares
Só na pandemia, a cidade perdeu cerca de 4.000 bares e restaurantes – um terço de tudo que existia. Foram 35 mil demissões em poucos meses. BH foi a capital que mais tempo manteve esses estabelecimentos fechados. A “capital dos botecos” quase perdeu sua alma – e, até hoje, ainda tenta reencontrar fôlego, orgulho e rotina.
O setor de alimentação voltou a crescer. Em 2023, movimentou mais de R$ 400 bilhões no Brasil e empregou 5,5 milhões de pessoas. Só que esse número esconde um detalhe: a imensa maioria dos negócios é familiar, frágil e pequena. Noventa por cento são microempresas. Sessenta e cinco por cento são MEIs. Gente como Dona Márcia, que cozinha há décadas para a cidade sem nunca tirar férias.
A casa do Santa Tereza, portanto, não está sozinha. Ela faz parte de algo maior: a gastronomia mineira é hoje o traço mais reconhecido do nosso estado. Segundo o Sebrae, 29% dos turistas que vêm a Minas apontam a comida como o que melhor nos representa. E não é por acaso. Comer em Minas é mais que nutrir: é ouvir história, viver afeto, tocar a memória com os sentidos.
Turismo e Políticas Públicas
Em 2023, o turismo mineiro movimentou R$ 34 bilhões e criou cerca de 50 mil empregos na economia da criatividade. Minas liderou o crescimento nacional no setor, com taxas quase o dobro da média brasileira. A comida, nesse cenário, é motor – e o bar tradicional é alicerce. Valorizar nossos estabelecimentos é, ao mesmo tempo, política cultural, estratégia econômica e respeito à identidade.
Se até a presidente da Abrasel em Minas está passando por isso, imagine os outros. Quantos bares ainda resistem em silêncio? Quantos pequenos negócios vão morrer calados, antes que alguém perceba?
Belo Horizonte precisa de uma política pública que cuide de quem empreende com afeto. Que atualize regras, desburocratize licenças, simplifique tributos, apoie quem gera emprego, memória e vínculo. Porque cada boteco fechado não é só uma porta que se fecha. É um pedaço da cidade que se apaga.
O Bolão não vai fechar. Vai transformar-se para se tornar ainda melhor.


