O celular e o ensino

Extirpar o aparelho de sala de aula não é garantia de atenção

A Lei 15.100/2025 baniu os celulares do ensino básico brasileiro. Ok. Todavia, a mesma legislação não arrancou das mãos de milhões de estudantes o mesmo aparelho. É por meio dessa tela que se pratica uma infinidade de atividades diárias, inclusive aprender.

Quando eu era aluno do Instituto de Educação e do Colégio Militar e me deparava com um professor chato, o refúgio se dava desenhando tudo que eu pudesse numa página de caderno ou lendo um livro escondido. Uma apresentação entediante não consegue manter atenta nenhuma plateia. Nem por obrigação. Pergunto: agora, diante de uma aula chata, os estudantes do ensino básico terão qual escapatória?

Digo isso por torcer efusivamente para que muitos professores não considerem que extirpar o celular de sala de aula represente garantia de atenção. Não representa. Se a fuga da chatice não é digital… o escape volta a ser analógico mesmo.

Para além dos dados conhecidíssimos da educação brasileira, como analfabetismo, evasão etc., e para além das medições insatisfatórias sobre matemática e português, há uma realidade muito clara: somos uma sociedade que não está educando com a eficiência de outras sociedades pelo mundo. O resultado é um povo sem apreço por leitura, até pela incapacidade de compreensão, sem falar nos indicadores profissionais distantes da eficácia de outros povos. A nossa educação em muitos momentos é um grande fingimento: uns fingindo que estão aprendendo, outros fingindo que estão ensinando.

Nesta semana, tive o prazer de conhecer mais de 300 pessoas novas na minha vida. Com o início do semestre letivo, o despertador do celular tocou cedo, e pelo Google Maps, na mesma tela, procurei a linha de ônibus que chegava à faculdade Dom Helder. Entre as opções, escolhi o 9101. Paguei a passagem por um QR Code gerado no aplicativo BHBus+. Ao chegar à instituição, o ponto de registro foi batido por um aplicativo no celular. Na sala de aula, tirei da minha pasta um dispositivo desconhecido por muitos hoje em dia: chama-se “livro”.

Em 2001, um programa de televisão chamado “Øystein & Meg”, da Norwegian Broadcasting (NRK), produziu uma esquete divertidíssima intitulada “Helpdesk Medieval”. Está no YouTube. Uma personagem aparece em cena encarando um livro, e entra quem vai ajudá-la a utilizar. E seguem as demonstrações: a capa é aberta, páginas são viradas… Isso eu não preciso ensinar em sala de aula. 

Todavia, há outra prática que eu preciso ensinar. No começo da disciplina de teoria geral do Estado, aprende-se o que é sociedade. Há um tal de Aristóteles que afirma que viver em sociedade é da nossa natureza. Ok. Quem era? Em que contexto vivia? Por qual razão falou isso? Em que época?

Quem se educa não pode ler um parágrafo desses num livro e seguir em frente assim, como se não houvesse mais nada. Na minha época, a biblioteca estava lá esperando quem quisesse se educar. Hoje, o celular pode ser acionado para que se acesse um aplicativo de inteligência artificial que vai responder a tudo isso. E mais: ele já pode explicar como Cícero, séculos depois, em Roma, passou a dar continuidade a esse pensamento…

Celular. 9206. Uni-BH. Turma de Estado, política e direito. No YouTube, você pode assistir a “O Nome da Rosa”, de Umberto Eco. Por meio de um trecho, podemos compreender a importância de deter o conhecimento.

Celular. 8203. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. “Observem o mapa de Barcelona no Google Maps. Comparem com o mapa de Belo Horizonte. O que notam?” Não é possível avançar nessa disciplina sem Geographic Information System.

Celular. 2104. Faculdade de Direito Milton Campos. Disciplina: cultura, diversidade, sociedade. O professor Mario Losano, cujo livro é essencial, fala a partir do que aprendeu com Norberto Bobbio num ótimo vídeo no YouTube. Qual o problema de pedir que utilizem os fones em sala de aula para redigirem na sequência um texto sobre o que concluíram?

Com criatividade, dedicação e didática, professores universitários, já que os demais estão proibidos, devem integrar os celulares ao ensino, pois imaginar nossas vidas sem essa tecnologia é pura hipocrisia. O que precisa ser urgentemente proibido é o professor que não se incomoda ao não evoluir.

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Gabriel de a a z

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