Minas pode usar o dinheiro do subsolo para conectar o território de superfície. Construir com o minério a infraestrutura que sobreviverá a ele
Sabia que Minas Gerais não produz um só centímetro de trilho de trem e traz tudo da China? Mesmo assim, o estado abriga cerca de 36% da malha ferroviária do Brasil, estimada em 8 mil quilômetros segundo a ANTT.
Mais de 70% dessas linhas atendem prioritariamente à mineração, e apenas 8% das cargas seguem por ferrovia de acordo com a CNT. O restante depende quase exclusivamente das rodovias, onde o frete fica até 40% mais caro e o desgaste do asfalto chega ao dobro. Cada trem de 120 vagões substitui 360 caminhões, reduz em 85% as emissões de CO₂ e corta pela metade o custo logístico. Os trilhos existem, os projetos também, e o trem que deveria conduzir Minas Gerais ao futuro continua parado.
Três concessionárias dominam a malha: Vale S.A. (Estrada de Ferro Vitória a Minas), MRS Logística (Malha Sudeste) e VLI Multimodal (Ferrovia Centro-Atlântica). As concessões foram renovadas pelo Governo Federal com prazos até 2056 e 2057, envolvendo cerca de R$ 34 bilhões em outorgas e investimentos. O marco ferroviário (Lei nº 14.273/2021) determina que 50% das outorgas sejam aplicadas nos estados de origem, o que poderia garantir R$ 17 bilhões para Minas Gerais. Recursos suficientes para mil quilômetros de novas ferrovias ou dez terminais intermodais. O retorno, porém, não veio. Licenças lentas, disputas de traçado e falta de instrumento financeiro estadual travam os projetos.
Projetos prontos existem. No Triângulo, a Uberlândia–Chaveslândia (235 km) conectaria Minas à Norte–Sul, com potencial de 25 milhões de toneladas anuais. VLI e Rumo disputam o traçado e nenhuma iniciou obras. No Vale do Jequitinhonha, a Bahia–Minas (491 km) transportaria 28 milhões de toneladas, ligando Araçuaí a Caravelas. O projeto aguarda financiamento. No Centro-Leste, o corredor Sete Lagoas–Conceição do Mato Dentro–Presidente Kennedy (1.450 km) substituiria o mineroduto da Anglo American e incluiria trens de passageiros. No Sul e na Zona da Mata, ramais entre Varginha, Lavras, Viçosa e Ouro Preto seguem no PEF-MG sem avanço.
Se implantados, esses corredores elevariam a participação ferroviária de 8% para 25% até 2035, segundo o PEF-MG, reduzindo R$ 9 bilhões anuais em custos logísticos e evitando 2 milhões de toneladas de CO₂ por ano. Nenhum avançou porque as renovações ocorreram sem obrigações de passageiros, sem metas de diversificação de carga e sem vinculação aos planos estaduais. As empresas focam no minério e o Estado não dispõe de instrumento financeiro para induzir novos usos da malha.
No transporte de pessoas, a estagnação é ainda maior. Minas teve 23 linhas regionais até os anos 1980. Hoje só resta o trem BH–Vitória, com mil passageiros por dia. O PEF-MG propõe dez rotas regionais, como Araguari–Uberaba–Araxá–Campos Altos (503 km), Viçosa–Ponte Nova–Ouro Preto (215 km) e Cruzeiro–Três Corações–Divinópolis (440 km), com demanda estimada em 150 mil passageiros por mês. O custo para iniciar três rotas-piloto é de R$ 1,2 bilhão, apenas 7% da outorga da Vale. As concessões foram renovadas sem exigências de transporte de pessoas e o Estado não criou subsídios próprios.
Enquanto isso, 92% das cargas e 99% das pessoas seguem pelas estradas, conforme a CNT. Minas arrecada R$ 6 bilhões anuais em CFEM, segundo a ANM, e quase tudo vai para custeio. Se 20% formassem um Fundo Ferroviário Estadual, haveria R$ 1,2 bilhão por ano para duplicar linhas, eletrificar trechos e reativar ramais. Cada bilhão gera 13 mil empregos diretos e reduz 30% da manutenção rodoviária.
Na Austrália Ocidental, 1% dos royalties financia ferrovias regionais. Minas pode seguir caminho semelhante e usar o dinheiro do subsolo para conectar o território de superfície. Construir com o minério a infraestrutura que sobreviverá a ele. Quando o ferro acabar, o trilho ficará. E por ele Minas Gerais poderá seguir adiante.


