As representações do símbolo da República em Belo Horizonte
Joaquim José da Silva Xavier é nome de rua, de praça, de batalhão e de escola. É feriado nacional. É mártir da pátria. É símbolo da República. Contudo, em Belo Horizonte, a Capital do Estado que o viu nascer e morrer (no Rio de Janeiro) por um ideal, Tiradentes ainda provoca debate — inclusive em pedra.
Ao longo do século XX, várias tentativas foram feitas para erguer uma grande estátua de Tiradentes com destaque na paisagem da Avenida Afonso Pena. Duas naufragaram antes mesmo de sair do papel. A terceira, em 1963, enfim se materializou — na própria avenida, na Praça Tiradentes. No entanto, a realização veio acompanhada de controvérsia: a obra, de traços envelhecidos e proporções questionáveis, jamais conquistou o coração dos belo-horizontinos.
Uma proposta surgiu em 1936, quando o prefeito Otacílio Negrão de Lima tentou erguer um belvedere com estátua do inconfidente diante do que viria a ser a nova sede da prefeitura. A ideia era boa, havia dinheiro em caixa – trezentos contos de réis – e o momento era oportuno. Faltou vontade política. A Câmara Municipal rejeitou a proposta. E perdeu-se a chance de fixar Tiradentes como referência cívica na jovem capital.
Oito anos depois, em 1944, Juscelino Kubitschek retomou o projeto. De estilo modernista, convidou Victor Brecheret, o escultor do Monumento às Bandeiras de São Paulo, para projetar a obra. A maquete foi feita. A escultura integraria a Semana de Arte Moderna de BH. Todavia, JK, sempre apressado, seguiu em frente. A estátua ficou só no esboço.
Veio então a terceira tentativa – e a definitiva. Em 1963, o escultor Antônio de Weile ergueu uma estátua de Tiradentes na então chamada Praça Tiradentes. Porém, o que era para ser consagração virou polêmica. A figura, envelhecida, com vestes anacrônicas e traços desproporcionais, não correspondia à iconografia tradicional do herói. Recebeu o apelido cruel de “Talidomida”, em referência a uma droga da época cujos efeitos colaterais provocavam deformações. Historiadores protestaram. A escultura foi retirada, reformada e recolocada no mesmo lugar. Desde então, ali permanece. Polêmica, impopular, mas presente. E talvez por isso mesmo tão significativa.
Ainda assim, outras representações do inconfidente em Belo Horizonte se mostram mais discretas – e mais bem aceitas.
Na Praça da Estação, o Monumento à Civilização Mineira, de 1929, presta tributo não só ao inconfidente, mas à própria trajetória histórica de Minas, dos bandeirantes à Inconfidência. Um dos relevos em bronze mostra a cena do martírio de Tiradentes – expressão simbólica da luta pela liberdade.
No Comando Geral da Polícia Militar, uma escultura de 1993 retrata Tiradentes sem barba, como exigido aos condenados à morte pela Coroa portuguesa. Ali, ele aparece como patrono da corporação, sóbrio e digno, diante da Praça Dr. José Mendes Júnior.
Nos jardins do Palácio da Liberdade, um busto com olhar voltado para o horizonte remete à esperança e à persistência do sonho republicano. No interior do palácio, há também representações suas tanto como militar quanto como mártir, compondo uma iconografia rica e multifacetada.
E na Praça Carlos Chagas, diante da Assembleia Legislativa, uma estátua altiva celebra Tiradentes como símbolo da resistência ao despotismo. Ali, onde se exerce o poder legislativo estadual, a memória da liberdade permanece em bronze, como vigia e inspiração.
Essas diferentes imagens mostram que Tiradentes não cabe numa só escultura. Talvez por isso a cidade tenha hesitado tanto em fixar uma representação definitiva. Falta ainda à capital mineira a coragem de erguer, no coração da Afonso Pena, um monumento à altura do ideal de liberdade que ele representa.
Porque mais do que estátuas, o que Tiradentes exige é coerência com seu legado. E isso não se forja apenas com pedra. Forja-se com valores.