Como explicar as mortes de Dom Phillips e Bruno Pereira?
Neste fim de semana, após as sessões ordinárias do Plenário da Câmara Municipal para o mês de junho, desembarco em Londres para cinco dias de aulas presenciais na London School of Economics. Participo de um mestrado cujo tema são as cidades, sendo o único participante brasileiro entre inúmeras nacionalidades. Nessas oportunidades, tenho a plena consciência de que mais do que a minha individualidade, há um fato: representar, diante das muitas interações, aquilo que o Brasil significa.
Tenho percepções sobre o que a “brasilidade” possui de pontos fortíssimos no cenário internacional. Primeiro, o que podemos chamar de “soft power”, ou em tradução literal, “poder suave”, a capacidade de influenciar sem usar a força. Segundo, a “diplomacia verde”, considerando que podemos ocupar lugar de destaque nas conversações internacionais quando o assunto é a sustentabilidade.
Ora, se nós brasileiros nos apresentamos (ao menos deveríamos nos apresentar) internacionalmente como suaves e sustentáveis, o que falar (e fazer) diante da brutal morte do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips? Como explicar que duas pessoas foram mortas da forma com que foram mortas? Que tragédia! Que vergonha!
É uma tragédia para a Floresta Amazônica e para a liberdade de imprensa. É de gerar náuseas imaginar-nos naqueles momentos que antecederam a morte. É de partir o coração imaginar-nos familiares desses dois. E que impotência… para além do voto bem conferido nas próximas eleições (que precisa muito considerar esses fatos), o que fazer? O que fazer para tentar entender e solucionar um problema de uma parte tão longínqua do gigantesco território nacional (considerando que estou em Belo Horizonte)?
Uma certeza: isso não pode acontecer outra vez. Como garantir isso, para além de explicar às pessoas como isso se deu? Afinal, se deu por uma razão em essência: o Estado Democrático de Direito da República Federativa do Brasil é apenas uma vaga ideia naquela localidade. Dos três elementos que formam um Estado, lá falta aquele para além de povo e território… falta o poder na forma da lei.
A Amazônia é aquela porção gigantesca do mapa do Brasil que todos conhecemos bem apenas no sentido de apontar onde fica. A maior parte de nós nunca a visitou. Alguns já a sobrevoaram, no máximo. O primeiro passo, a meu ver, é admitir a profunda ignorância nacional sobre o tema. Muitos de nós falhamos onde Bruno Pereira e Dom Phillips acertaram. A dupla, mesmo não sendo nascida na região, amava, conhecia, protegia e respeitava algo que pertence a todos nós e não ao crime e ao tráfico.
Se há algo a ser feito pelo legado de ambos, eu diria que, admitindo minha ignorância de quem estuda a vida urbana mais que outras territorialidades brasileiras, deveríamos entender mais a Amazônia e, assim como eles, amá-la ainda mais, conhecê-la ainda mais, protegê-la ainda mais e respeitá-la ainda mais.
Mortes brutais no Vale do Javari
A Terra Indígena do Vale do Javari, demarcada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em 2001, é a região que apresenta a maior densidade de povos indígenas isolados no mundo. Ocupando uma imensidão que equivale a 258 vezes a área de Belo Horizonte, o espaço está em dois municípios amazônicos na fronteira do Brasil com o Peru. Fico imaginando como se dão as eleições para vereador, deputado estadual, deputado federal e senador nessas localidades (além de prefeito, governador e presidente) o que ao fim e ao cabo, deveria ser a solução institucional para o problema…
A verdade é cruel, tanto quanto esse assassinato que precisa sobretudo da aplicação das devidas penas. Mortes brutais provocam uma reação para além do luto: acordam-nos para uma tragédia que é nossa também, embora quilômetros de distância das nossas preocupações diárias.
Que a vida dos dois, repleta de coragem e dedicação, não seja em vão. Que a morte também não. Ser brasileiro não pode ser motivo de vergonha.