Os desafios das linhas férreas em Minas Gerais
Nessa semana, fui de Porto para Barcelos, em Portugal, indo e voltando, várias vezes, para participar do XIV Encontro Internacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito. Nada de carro. Nada de ônibus. Entrei no aplicativo “Omio” e, em poucos minutos, emiti minhas passagens de trem. Sem complicação, sem improviso. Em quarenta e sete minutos, percorri 43 quilômetros com conforto, pontualidade e preço acessível, quantas vezes fosse necessário.
Seria como se alguém quisesse ir de Belo Horizonte até Betim. Ou até Ribeirão das Neves. Pedro Leopoldo. Sabará. São José da Lapa. Esmeraldas. Todos esses municípios estão entre 40 e 46 quilômetros da capital mineira. Todos são cortados por trilhos. Nenhum é atendido por trem de passageiros. A linha existe. O transporte, não. O que falta não é ferro. É política.
Portugal tem 92 mil quilômetros quadrados de área. Minas Gerais, 586 mil. Mesmo com território seis vezes maior, Minas Gerais tem desempenho ferroviário muito inferior. A malha portuguesa tem cerca de 2.546 quilômetros em operação com passageiros. A mineira tem 5.083 quilômetros, segundo a ANTT. Quase todo esse traçado serve ao minério. Quase nada serve à população.
Em 2013, o metrô de Belo Horizonte transportou 64,9 milhões de passageiros, segundo relatório da CBTU ao TCU. Em 2022, o número caiu para 18,1 milhões. Considerando também o trimestre já sob gestão privada, o ano fechou com 23,9 milhões de usuários. Mesmo assim, a queda é estrutural. A tarifa, que era 1 real e 80 centavos em 2019, subiu para 5 reais e 30 centavos em 2023.
A exceção é o trem da Vale, que liga Belo Horizonte a Vitória com uma viagem por dia. Custa menos que o ônibus, tem ar-condicionado e restaurante, mas é um caso isolado. Já o metrô, após décadas de abandono federal, só começou a ser ampliado após aporte público de 3 bilhões e 200 milhões de reais e concessão à iniciativa privada. A previsão é atender 270 mil passageiros por dia. Ainda que o modelo exija vigilância, é o primeiro investimento urbano de peso no setor ferroviário de passageiros em Minas Gerais em décadas.
Em 2019, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais publicou o relatório da Comissão Pró-Ferrovias, coordenada pelo deputado João Leite. O documento apontou o colapso das concessões federais, a ausência de planejamento territorial e a dependência rodoviária. A resposta veio em quatro leis: a Emenda 105 de 2020, a Lei 23.230 de 2019 (autorizações), a Lei 23.748 de 2020 (política ferroviária) e a Lei 23.801 de 2021 (valor cultural da ferrovia).
Minas Gerais tem agora um plano. A Secretaria de Infraestrutura criou uma superintendência específica e firmou parceria com a Fundação Dom Cabral para elaborar o Plano Estratégico Ferroviário. O documento mapeia mais de 60 projetos em cinco frentes: contornos urbanos, cargas, plataformas logísticas, turismo e trechos regionais de passageiros.
O primeiro será o Ramal Serra Azul, autorizado à Cedro Participações. São 26 quilômetros ligando São Joaquim de Bicas, Mateus Leme, Igarapé e Mário Campos à malha nacional. Um bilhão e meio de reais em investimentos. Quatro mil empregos. Redução estimada de 40 mil toneladas de emissões por ano. É a primeira short line brasileira. É também o primeiro passo de um novo ciclo.
O que falta agora é articulação nacional. A malha ferroviária de Minas Gerais segue majoritariamente sob controle federal. A renovação da Estrada de Ferro Vitória a Minas destinou 75 por cento da estrutura à Vale e apenas 10 por cento dos investimentos ao território mineiro. O trem de passageiros prometido para 2025 foi adiado. Parte dos recursos foi devolvida. Não há liderança mineira organizada no Congresso. Isso compromete o futuro.
Enquanto isso, Portugal conecta quase metade de seus municípios por trem. Quinze das dezoito capitais de distrito têm ligação ferroviária. A CP transporta mais de 180 milhões de passageiros por ano. São trabalhadores, estudantes, idosos, famílias inteiras que se deslocam com regularidade. Em Minas Gerais, essas mesmas pessoas perdem tempo, dinheiro e saúde no trânsito. A ausência do trem impõe um custo silencioso: um cotidiano de congestionamentos que poderiam ser evitados.
Minas Gerais tem um plano. Tem as leis. Tem os trilhos. Falta entender que ferrovia não é só infraestrutura. É política social, ambiental, urbana. O trilho está no chão. O estudo está feito. O capital está disposto. O que falta é governo que execute com ambição. E um país que compreenda que conexão não se mede em gigabytes. Se mede em gente indo e vindo com dignidade.


