Belo Horizonte e seu prefeito “negacionista”

Crise na educação na capital e ações na pandemia

“Negacionismo” é uma das definições mais úteis nos últimos anos. A palavra representa o espírito de abrir mão dos consensos científicos, abandonar critérios objetivos e negar a realidade em busca de soluções mágicas, de acordo com a conveniência política de ocasião. Todavia, nem só de cloroquina vivem os negacionistas: há quem tenha agido corretamente e de acordo com a ciência nos primeiros meses de 2020, mas não tenha se atualizado desde então. É o que acontece na área da educação em Belo Horizonte.

A crise na educação na capital mineira não é novidade. Ainda antes da pandemia, no início do mandato do prefeito Alexandre Kalil, as escolas municipais de Belo Horizonte interromperam uma trajetória de melhoria dos resultados. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) das escolas municipais em séries iniciais subiu durante os anos de 2007 a 2017, chegando a 6,3. Em 2019, antes da disseminação do Sars-CoV-2, a nota de BH já caiu para 6.

Não seria justo atribuir à administração atual os inegáveis prejuízos da pandemia na educação, pelo menos nos primeiros meses da crise que fechou escolas em todo o mundo. Os tempos de incerteza demandavam ações, e é justo reconhecer os primeiros acertos da prefeitura.

Ainda em setembro de 2020, antes mesmo de as primeiras vacinas serem aprovadas, a Unesco, a Unicef e a OMS já reconheciam, em protocolo conjunto, que as escolas deveriam ser priorizadas para a reabertura. A partir daí, os consensos científicos internacionais deixaram de valer para o município de Belo Horizonte: só valia a ciência que a prefeitura gostava, além da cabeça dura da secretária Ângela Dalben. Belo Horizonte só voltou a adotar critérios científicos para a abertura e fechamento de escolas em junho de 2021, muitos meses depois que a OMS atualizou sua orientação. Pressionado pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, o município assinou um Termo de Ajustamento de Conduta e estabeleceu um critério lógico para a abertura e fechamento de escolas: o Matriciamento de Risco (MR) que, se estivesse entre 51% e 80%, autorizaria o retorno às aulas presenciais para indivíduos de até 18 anos de idade.

Depois de estabelecido o critério, o prefeito de Belo Horizonte resolveu abandonar o “índice MR” que ele mesmo inventou e, ao mesmo tempo em que publicava boletim epidemiológico recomendando a abertura de escolas, emitia decreto em sentido contrário.

Para quem não é versado em direito, vale conferir como curiosidade como foi a ação do Ministério Público para retomar as aulas: tratava-se de “Execução de Título Executivo”. Ou seja, o pedido do MPMG, atendido liminarmente em primeira e segunda instâncias, não era nada mais do que cobrar da prefeitura que se cumprisse o que a própria prefeitura assinou.

Como insisto que não é possível entender a cidade sem estudar os processos políticos que baseiam as decisões, vale perguntar por que a Prefeitura de Belo Horizonte resolveu abandonar o critério que ela mesma inventou. Enquanto redes de educação do país inteiro anunciam que usarão a frequência escolar para procurar os alunos que não se vacinaram, Belo Horizonte se limita a disponibilizar as vacinas nos postos. Na hora de aplicar vacina, toda a coragem do prefeito some, e uma Secretaria de Saúde tímida se limita a dizer que seguirá as orientações do governo federal. 

Enquanto isso, o Unicef, por exemplo, já dá o tema como superado e propõe ações de busca ativa escolar, entendendo que apenas manter as escolas abertas não é o suficiente: é preciso reencontrar aqueles alunos que perderam o vínculo com o sistema de educação durante a pandemia. 

Em Belo Horizonte, por culpa do prefeito, estamos sempre um passo atrás. Deixar de ouvir os especialistas em educação também é negacionismo.

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