Exemplo do marechal na história e o momento atual
Recomendo as 884 páginas do Relatório 4546344/2024 da Polícia Federal. A conclusão, à página 878, assinala a “atuação de uma organização criminosa”, que desde 2019, desenvolveu ações para desestabilizar o Estado Democrático de Direito. Tratava-se de manter o então presidente Jair Bolsonaro no poder, pela “consumação de um golpe de estado e da abolição do estado democrático de direito, restringindo o exercício do Poder Judiciário e impedindo a posse do então presidente da República eleito (em 2022).”
À página 881, do mesmo relatório, está a data em que um golpe militar seria perpetrado: 15 de dezembro de 2022, quando era esperada a assinatura de decreto pelo mandatário, além da adesão das Forças Armadas. Havia anuência do ministro da Defesa e do comandante da Marinha. “No entanto, os comandantes do Exército e da Aeronáutica se posicionaram contrários a qualquer medida que causasse a ruptura institucional no país. Tal fato não gerou confiança suficiente para o grupo criminoso avançar na consumação do ato final e, por isso, o então presidente da República, Jair Bolsonaro, apesar de estar com o decreto pronto, não o assinou.”
Aos militares Freire Gomes e Baptista Júnior não faltou bom senso. Todavia faltou inspiração. Não se inspiraram no documento escrito em 26 de agosto de 1961, assinado por Henrique Duffles Baptista Teixeira Lott, que dá nome ao auditório do Colégio Militar de Belo Horizonte, onde estudei.
Naquele momento, o ministro da Guerra, general Odilio Dernys, tinha comunicado a sua intenção de não permitir a posse de João Goulart, vice-presidente, após a renúncia do presidente Jânio Quadros. Lott, mesmo na reserva, ligou para o general para demovê-lo da ideia.
Diante da negativa, conclamou em carta aberta a sociedade a se posicionar em defesa da Constituição de 1946. Foi preso por alguns dias. Freire Gomes e Baptista Júnior silenciaram.
Sobre o Marechal Lott, recomendo o livro “O Soldado Absoluto”, de Wagner Willian, que vai ganhar uma adaptação cinematográfica. Tal como o aclamado filme “Ainda estou aqui”, de Walter Salles, essa produção terá o didático papel de contar para muitos que o Brasil passou por uma ditadura militar.
Recomendo também o livro “Forças Armadas e política no Brasil”, de José Murilo de Carvalho. Nele, fica muito claro que os homens fardados sempre se dividiram entre aqueles que entendem a frase de Manoel Luiz Osório – “A farda não abafa o cidadão no peito do soldado” – e aqueles que não entendem. Lott entendia.
Em 1954, foi Lott quem assumiu o comando do Exército para frear os golpistas, após a morte de Getúlio Vargas. Em 1955, foi Lott quem liderou um grupo de militares no “contragolpe de 11 de novembro” para interromper a ação dos que queriam impedir a posse de Juscelino Kubitschek.
Em 1960, foi Lott quem se candidatou a presidente, sem promessas mirabolantes. A espada perdeu para a vassoura. Reconheceu a derrota. JK nunca o apoiou de verdade. Esperava se opor ao eleito em 1960, para voltar à presidência na eleição de 1965. Veio o golpe de 1964. JK nunca mais pisou em Brasília, impedido pelos novos donos do poder, os golpistas.
O Projeto de Lei 4.409/23 pretende inserir o nome de Lott no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. Está parado na Câmara dos Deputados. Deveria ser aprovado. Além disso, o Brasil não deveria perdoar quem, um dia fez desaparecer tantos outros, como Rubens Paiva. Eu. Você. Democratas. Tal como Ulysses Guimarães, do nosso MDB, tenho ódio e nojo da ditadura.
Golpistas merecem para si o que eles pretendem abolir: o Estado Democrático de Direito e as suas punições exemplares, após o devido processo legal.