Eleições e a missão constitucional dos agentes políticos
Mais de 2,5 milhões de infectados, índices de contaminação em patamares elevados já há pelo menos dois meses, média de mortes superior a mil por dia e mais de 90 mil vidas perdidas desde março. Esses são dados que demonstram a dimensão da tragédia da Covid-19 no Brasil e que justificam plenamente a preocupação da população e dos homens públicos que se importam com a preservação da vida e a reconstrução da economia no pós-pandemia.
Entretanto, é necessário e urgente que o debate sobre os impactos sanitários, sociais e econômicos que o novo coronavírus causou ao Brasil e as soluções que devem ser implementadas para diminuir tais efeitos seja priorizado. E, embora boa parcela da sociedade ainda não tenha se dado conta, justamente em razão dos números trágicos resultantes da Covid-19, as propostas para a reconstrução da nação passam, obrigatoriamente, pelas eleições municipais deste ano.
É uma comparação simples: se a cura para o novo coronavírus só poderá vir com a descoberta de uma vacina, a solução para os problemas políticos e institucionais do Brasil passa obrigatoriamente pelo voto consciente, pela melhor escolha dos eleitos. E esse aprimoramento deve começar pelas eleições municipais, pois o trabalho de vereadores e prefeitos é o que mais impacta a vida da população. As pessoas vivem nas cidades. Portanto, é a partir da solução dos problemas de infraestrutura, sustentabilidade, moradia, saúde e educação nos municípios que o Brasil iniciará sua recuperação.
E, mesmo abordando a questão das eleições municipais, tomemos como exemplo o que a nação vive hoje, resultado da escolha não adequada do presidente e da maioria do Congresso Nacional. Em 2018, a vitória de Jair Bolsonaro resultou de três fatores: o sentimento antipetista, o valor conservador, principalmente de núcleos religiosos, e o “lava-jatismo”, que transformou o necessário combate à corrupção em uma cruzada puritana.
Ao mesmo tempo, os fatores que definiram a eleição de Bolsonaro não foram os mesmos para a formação do atual Congresso Nacional, moldado por uma mistura entre o sistema eleitoral proporcional misto e carcomidos partidos políticos com seus donos. E, o pior, mais uma vez foi eleito um presidente sem base parlamentar, repetindo um erro que vem desde a eleição de Fernando Collor, o chamado “presidencialismo de coalização”, ou, como dizem os críticos mais agudos, um “semipresidencialismo” comprovadamente ineficaz e complicado.
O resultado que temos hoje, menos de dois anos após a eleição, é um presidente refém de blocos patrimonialistas no Poder Legislativo, como o famigerado “centrão”. Como sempre foi na “Nova República”.
O problema maior é o Brasil não aprender com seus erros, que não são novos, diga-se de passagem. Já na década de 1920, com o movimento tenentista, quando oficiais jovens e de baixa patente decidiram intervir na política, para impor um viés autocrático ao governo, nossa democracia vive aos sobressaltos. Os repetidos problemas de governabilidade, a falta de harmonia entre os Três Poderes, a atuação política do Poder Judiciário e suas funções essenciais, tudo isso é reflexo do mau exercício do voto, num universo onde os partidos políticos não cumprem suas tarefas mais básicas.
Faltam mais de dois anos para as eleições presidenciais de 2022 e nosso aprendizado democrático não pode esperar tanto tempo. Devemos iniciar essa transformação já no fim do ano, no pleito municipal. Vamos eleger candidatos que realmente tenham consciência das missões constitucionais de prefeitos e vereadores. Vamos começar pelas cidades e fazer com que essa prática se espalhe e se consolide. Gestores e detentores de mandatos legislativos comprometidos de fato com os interesses públicos. Essa é a melhor vacina para imunizar a frágil democracia brasileira.