Volta do desenho original do Conjunto Sulacap-Sulamérica
No ritmo da marchinha carnavalesca… “Ô abre alas, Sula, eu vou passar! Ô, abre alas, Sula, eu vou passar! Abaixo o anexo pra poder andar! Abaixo o anexo pra poder andar!” Se bem me lembro das aulas de tipos de versos do professor Olivier Zoroastro Martins, fiz modificações na letra de Chiquinha Gonzaga de modo a manter o quarteto de tetrassílabos sem comprometer o ritmo com atenção ao método da “escanção” (contando até a última sílaba tônica) e lembrando que palavra terminada com som de vogal pode se unir silabicamente com a palavra iniciada em vogal, embora esta não seja uma regra.
Ao participar do bloco Chama o Síndico nesta semana, percorri o trajeto na avenida Afonso Pena ao lado de muitos foliões. Ao passo que se aproximavam do quarteirão formado nas esquinas em ângulo de 45° com ruas da Bahia e dos Tamoios, as pessoas iam pressionando as pálpebras de modo a cerrar os olhos buscando na memória o que existia naquele local antes e que já não existia mais. Fez-se luz.
Ainda criança, aprendi o que era o Conjunto Sulacap-Sulamérica, obra de Roberto Cepello erguida nos anos 1940 em Belo Horizonte, na nossa principal avenida. Era na papelaria que existiu ali por anos que eu adquiria grande parte do meu material escolar.
Descobri com o tempo que o espaço fora ocupado anteriormente por um prédio de estilo eclético, onde funcionava a sede dos Correios. E mais a fundo fui entender que, de acordo com a planta original da Comissão Construtora da Nova Capital, nada deveria ter sido erguido nesse terreno, para onde foi pensada a praça Tiradentes. Esta e outras três praças (Benjamin Constant, 15 de Novembro e 15 de Junho) demarcariam os quatro cantos do original e quadrilátero traçado do Parque Municipal.
Essa construção é um manifesto do que defendo para a vida urbana. O adensamento é total e sem recuos, como desenha Léon Krier. As seis torres seguem a linha da calçada por todo o quarteirão com formato de triângulo isósceles. Não há desperdício. Há o genial ato de ampliar a quantidade de fachadas ativas, criando uma galeria ao ar livre entre as edificações, onde carinhosamente a cidade resolveu pousar a percepção de uma praça. A praça da Independência, com dois pentágonos ajardinados ladeados em banco de concreto, é uma conexão entre a avenida Afonso Pena e a avenida Assis Chateaubriand, antiga avenida Tocantins, onde se ergueu o viaduto que conecta duas partes da cidade apartadas pelo ribeirão Arrudas e pela linha férrea.
Originalmente, o conjunto conjugava torre comercial e residencial, como deve ser. Restam três apartamentos entre os demais espaços. Belo Horizonte ensinava Belo Horizonte há quase oito décadas… afinal, teto próximo ao trabalho facilita o transporte.
Nos anos 1970, autorizaram a construção de um anexo horrendo, que desfigurou tudo. Erros são oportunidades urbanas de revelar a cidade.
Eleito vereador em 2016, convidei o arquiteto Flávio Carsalade, testemunha das muitas movimentações que desejavam demolir aquela monstruosidade, para participar de um movimento a favor da ideia. Também convidei o arquiteto Gustavo Penna, um apaixonado pelos caminhos urbanos, a participar. Descobri a arquiteta Karine Arimateia, que lança daqui a alguns dias o seu livro cobre os conjuntos Sulacap-Sulamérica pelo Brasil. Com ajuda da agência Triciclo e da empresa Made in Beagá, criamos uma campanha e produtos que fortalecessem a causa no final de 2018.
Chegou 2020, e a pandemia fez as pessoas quererem fugir da cidade. Em 2023, já no papel de presidente da Câmara Municipal, numa longa lista de demandas na primeira reunião com o prefeito, sublinhei um item: um decreto para instituir o interesse público na desapropriação seguida da demolição do anexo, ato que só pode partir da prefeitura. O resto da história é visível. Aos agentes que tornaram esse sonho uma realidade, fica o agradecimento. Uma janela da cidade se abriu recuperando o passado para o futuro. Vamos às outras.