Transformações desde as jornadas de junho de 2013
Neste mês de junho, completamos uma década desde um dos eventos mais marcantes, ainda incompreendido em sua totalidade, do enredo político brasileiro. As jornadas de junho de 2013, surgidas a partir de movimentações contra o aumento das tarifas de transporte público de ônibus e metrô em São Paulo, avolumaram-se numa catarse de insatisfação com a baixa qualidade de serviços públicos, distanciamento da classe política com a população e uma reversão do clima de euforia nacional. Um povo que estava se preparando para ser o centro das atenções do planeta passou a gritar “Não vai ter Copa”.
Teve. Copa teve. Os R$ 0,20 já foram consumidos pela inflação desde então. Parte do espírito de insurreição seguiu até 2016, quando o “Não vai ter Copa” cedeu espaço para manifestações a favor do impeachment. “Não vai ter golpe”, um releitura de slogan, foi grito que se materializou. Não teve golpe. Teve impeachment. O segundo na Nova República, embora motivos houvesse para outros mais…
Os historiadores ainda divergem nas interpretações daquele momento. O então czar da comunicação petista, João Santana, destacava que a mobilização ocorrida não era captável pelos instrumentos tradicionais de monitoramento de opinião pública: um cidadão que respondesse uma pesquisa uma semana antes do início das manifestações não seria capaz de prever que estaria nas ruas dias depois.
Alguns sinais de fadiga da opinião pública, porém, já eram previsíveis, com queda de avaliação da qualidade de prestação dos serviços públicos e de confiança nas instituições democráticas. Alguns setores da esquerda classificam as manifestações como cooptadas pela direita, uma vez que causaram graves danos à popularidade do governo de Dilma Rousseff e podem ser associadas ao impeachment que veio em seguida.
É possível entender, também, como natural de um movimento que ataque toda a classe política, que o dano maior seja infligido ao grupo que controla o governo no momento. Afinal, o campo majoritário da oposição à época, o PSDB, do qual eu havia me desfiliado no mês anterior, em maio de 2013, após oito anos enquanto tucano, também foi praticamente dizimado e substituído por outras movimentações muito mais à direita.
Se as jornadas ocorridas há uma década promoveram uma forte mudança no quadro político-partidário nacional, não é possível dizer o mesmo em termos de avanços nos serviços públicos. Ainda estamos longe dos “hospitais e escolas padrão Fifa”, que eram palavras de ordem então.
O transporte coletivo está pior. E mais caro, com o governo requentando erros do passado e insistindo em incentivos aos carros, privilegiando o transporte individual ao coletivo. Há contrassensos atuais que mostram a grande distância entre a indignação e a ação.
Se, à época, vivíamos uma crise de representatividade, nos últimos anos nossa democracia regrediu. Segundo o V-Dem Institute, da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, que estuda e ranqueia sistemas políticos no mundo, o Brasil é um dos cinco Estados-Nação que mais sofreram regressão democrática na última década, na condição de uma “democracia eleitoral”: aquela que ainda preserva eleições livres, mas falha em outros pontos fundamentais.
As interpretações para a falta de conversão em resultados também variam nos círculos acadêmicos. Pessoalmente, vejo sentido na tese que aponta para uma dificuldade de efetivação das reivindicações da época por falta de foco, organização e união.
No meio de um mar de desejos, muito acabou ficando perdido no tempo. Por isso, gosto de defender uma ação política que seja planejada com evidências e tenha foco em resultado. Tanto que é importante aliar o “querer fazer” ao “saber fazer”. Dez anos depois, a indignação deve ser lembrada, mas o que nos afastou do êxito nos resultados precisa ser compreendido.
Em Belo Horizonte, há dez anos, a Câmara Municipal foi alvo de profundos protestos de cidadãos, eu entre eles, que achava a instituição corrompida e vendida no debate sobre os ônibus. Não fiquei apenas xingando. Em 2016, fui eleito. Em 2020, fui reeleito. Jamais imaginaria, naquele tempo, que estaria na presidência de uma instituição que, dez anos depois, participaria do debate sobre os ônibus sem corrupção e sem ter vereadores comprados por empresários de ônibus.
Pois, querendo fazer e sabendo fazer, as soluções demoram, mas começam a surgir. E você? Onde estava em 2013 e o que fez desde então? Acordou?