Obrigado, Raphael Hardy Filho

Tombamento do edifício Senhora de Fátima

No livro “Arquitetura e Psique: Um Estudo Psicanalítico de como os Edifícios Impactam Nossas Vidas”, Lucy Huskinson aponta que as construções que habitamos moldam a nossa identidade e a nossa maneira de sentir e perceber a nós mesmos de forma profunda. Recomendo a leitura.

Nesta semana, quando meus vizinhos foram até a portaria do condomínio do edifício Senhora de Fatima para pegarem seus jornais, encontraram o jornal O TEMPO da última terça-feira estampando a fachada da nossa edificação residencial, projetado pelo arquiteto Raphael Hardy Filho. 

O motivo? O Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte, do qual fiz parte representando a Câmara Municipal por dois anos, tombou por unanimidade essa joia da arquitetura modernista erguida na esquina da rua Rio de Janeiro com rua dos Tupis. Ou seja, eu e meus vizinhos passamos a morar oficialmente num bem que faz parte do conjunto dos bens patrimoniais da nossa cidade. Que honra! Que responsabilidade. 

“Na contramão de outras capitais que naufragaram no Brasil pela especialização de seus centros com a expulsão do uso residencial, Belo Horizonte teve a sorte de manter historicamente seu centro vivo. Diz o anedotário popular que isso só aconteceu porque um empresário ousou ir contra a diretriz do código de obras (antes de a cidade ter sua Lei de Uso e Ocupação do Solo) que induzia apenas comércio…”. Um trecho do parecer do conselheiro Flávio Carsalade, que deixou todos emocionados com o texto, uma verdadeira declaração de amor à nossa cidade.

“Hoje, quando as questões de mobilidade afetam tanto nosso dia, aumenta o interesse por moradias na região central. A permanência do edifício Senhora de Fátima aponta, então, não apenas para o passado, mas também para o futuro. Também aponta para o futuro a sua enorme versatilidade, conquistada por uma planta tão livre, tão cheia de braços e amplas janelas que permitem uma iluminação farta e estratégica. Poucos edifícios contemporâneos permitem tanta flexibilidade e capacidade de adaptação”. Outro trecho do parecer. 

Pinço ainda esse carinho: “A concepção plástica do projeto é uma preciosidade. Preciosidade mesmo, na medida em que está plena de pequenas joias e abundantes requintes. A começar pelas fachadas. Enquanto a da rua dos Tupis celebra a horizontalidade, a da rua Rio de Janeiro explora a verticalidade em um jogo de proporções que estimula o olhar. É também na junção das duas, a esquina, que o projeto revela outra de suas qualidades. Pelo recuo dos pilares, as quinas são em vidro, fazendo com que as horizontais se apresentem leves e se resolvam no severo elemento vertical em cor escura. Esquinas são importantes para a arquitetura, principalmente em uma cidade como Belo Horizonte, de tantas e imponentes esquinas. O rosa e o azul-claro são as cores de uma época na nossa cidade: Sylvio de Vasconcellos também as amava e as usou em várias de suas concepções. Cores leves, formas leves, prédio leve, ainda mais porque se eleva da rua em suave descolamento que oferece ao pedestre não apenas o sabor do voo, mas também um jardim de transição que acentua a privacidade e ambienta o caminhar. Prédios que voam, cores que enternecem, jardins que qualificam calçadas: de novo o futuro”. 

O arquiteto

E o arquiteto? “Raphael Hardy Filho foi um arquiteto que talvez tenha bebido da liberdade do modernismo de uma maneira mais hedonista do que seus contemporâneos por aqui. (…) Os modernistas brasileiros ousaram unir as pontas do passado com o futuro. Fizeram a vanguarda e criaram o serviço de proteção do patrimônio histórico. No Edifício Senhora de Fátima, essa lição fica clara a ponto de fazer esse parecerista se confundir sobre a que tempo mesmo se referia este parecer. Haverá maior mérito sobre a questão do tombamento do que essa confusão entre passado e futuro?”. 

Para quem ama essa cidade, ajudar a preservar e vivenciar um tesouro da arquitetura é mesmo um privilégio. Mais do que um lugar de viver, nosso prédio é um manifesto. Mãos à obra. Recolocar as pastilhas que se soltaram… Remover as grades que vieram depois… Requalificar os cobogós vermelhos… Reinventar a vida no centro é escolher uma cidade onde se mora perto de onde se trabalha. É escolher o adensamento. É valorizar o que já existe. É o que o mundo civilizado faz. É o que funciona. É o que faz sentido. E Raphael Hardy Filho já sabia disso tudo na década de 50… vale ser celebrado e valorizado. Amém! 

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