Preservação de espaços históricos e afetivos da capital
Quem passa pela avenida Afonso Pena, entre as ruas da Bahia e Tamoios, observa alguns tapumes. Em 12 de dezembro de 2018, lancei uma campanha intitulada “Janela Aberta”, ao lado dos arquitetos Flávio Carsalade, Gustavo Penna e Karine Arimateia, para requalificarmos o Conjunto Sulacap-Sulamerica. Este não era um sonho apenas meu. Nascido em 1986, duas décadas após a construção de um anexo horrendo que desfigurou a obra arquitetônica e destruiu a praça da Independência, que existia no local, tão-somente me somei a tantas outras pessoas, que já se mobilizavam para recuperar esse símbolo da nossa cidade.
Na primeira reunião que tive com o prefeito Fuad Noman na condição de presidente da Câmara Municipal, em 2023, fiz um pedido enfático: a prefeitura precisava atuar para colocar aquela monstruosidade abaixo. No dia 6 de março daquele ano, foi publicado o Decreto 18.267, declarando a utilidade pública, para fins de desapropriação, daquilo que jamais deveria ter sido erguido. Feito.
Na mesma avenida Afonso Pena, resolvi cuidar da sede do Automóvel Clube de Minas Gerais, edifício eclético projetado por Luiz Signoreli, que precisa de recursos para se manter. Ao instalar o Mina Jazz Bar, empreendimento que completou três anos ontem, eu e Leonardo Paixão demos um presente para a cidade naquele 2021, também no sentido de ajudar a manter um edifício tombado pelo patrimônio público.
Neste 2024, o presente que pensei para a cidade exige mais pessoas além de mim. Vovô Armando Sousa tinha o costume de se reunir com os amigos no Café Pérola, que existia no Brasil Palace Hotel, na praça Sete de Setembro. O espaço, bem antes do virtual diálogo que se dá nas mídias sociais, era o ambiente da conversa real. Por décadas, foi um símbolo da cidade, até fechar as portas, em 1997.
Comércios fecham. Todavia, alguns estabelecimentos são bem mais do que ambientes comerciais. Há talvez gente limitada o suficiente que pense que a preservação de símbolos que se somam ao imaginário urbano não seja uma tarefa pública. Estão perdoados. E não devemos perder tempo tentando convencer essas pessoas. A Prefeitura de Belo Horizonte deve atuar tal como tantas outras mundo afora.
Sabem qual espaço também pode desaparecer? O Café Nice.
Desde 1939, inaugurado como uma “leitaria”, há 85 anos, também numa loja do Brasil Palace Hotel, é um ícone da cidade. É um comércio familiar: quem for pela manhã encontrará o Tadeu Caldeira e quem for após o horário do almoço encontrará o Renato Caldeira. Esses dois amigos já me confessaram: querem fechar as portas. E eu não quero deixar. Não é só por depender quimicamente do Creme de Maizena com Ameixa… é por depender emocionalmente desta cidade.
Não aceito que, durante a minha passagem efêmera por uma capital que durará no tempo, um dos seus símbolos desapareça. Não é só responsabilidade minha. Só que o mundo acontece por conta das pessoas que não deixam as ideias paradas, e não por conta de quem se contenta em postar alguma coisa no seu perfil digital.
Foi para isso que eu chamei o gênio urbano que atende por Rafael Quick, envolvido em símbolos do nosso tempo instalados no Mercado Novo, além dos bairros Carlos Prates, Pompeia e Santa Efigênia. E ele brilhou mais uma vez. Começou neste aniversário da cidade a execução de um projeto para salvar o Café Nice do seu fechamento. Tal tarefa vai envolver um plano de negócios ousado, com ideias encantadoras. Sinto que vai funcionar. E todo mundo que quiser, claro, vai poder ajudar.
No entanto, enquanto isso, você pode ajudar de um jeito muito simples. Qual foi a última vez que você foi lá tomar um cafezinho? Você compra numa caixa registradora e recebe fichas para trocar no balcão. Há pão de queijo de verdade e uma série de outras opções saborosas. Esse símbolo também é seu. Se não de lá, de qual parte da nossa cidade que completou 127 anos você está cuidando? A Belo Horizonte que queremos é uma tarefa coletiva de todos nós.