Sem articulação não há política

Governo não estabeleceu canais de diálogo com o Congresso

No campo de guerra de palavras hostis, ofensas e ódio em que se transformou a política brasileira, a articulação para aprovação de projetos, criação de leis e propostas que interessam à população tornou-se um termo amaldiçoado. Nas mídias sociais e em declarações à imprensa, muitos políticos tratam de criminalizar a palavra, atribuindo a ela a culpa por negociatas, tráfico de influência e outras mazelas que contaminam as atividades políticas no país.

É uma visão incorreta e prejudicial ao país, que pressupõe o fim do diálogo entre os Três Poderes constituídos, em especial entre o Executivo e o Legislativo, e a imposição dos interesses de determinado Poder sobre os demais. As dificuldades que os governos federal e de Minas Gerais enfrentam na tramitação de propostas importantes no Congresso e na Assembleia Legislativa refletem justamente a falta de articulação para que tais projetos tenham andamento.

No caso do governo federal, temos assistido, já há quase três semanas, às discussões infrutíferas e hostis envolvendo o presidente Jair Bolsonaro, os ministros Paulo Guedes e Sergio Moro e diversos líderes partidários, incluindo-se aí o presidente da Câmara Federal, deputado Rodrigo Maia. E qual o resultado dessa troca gratuita de ofensas e provocações? O episódio lamentável ocorrido na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, em que o ministro Paulo Guedes e parlamentares de esquerda quase se agrediram.

O objetivo da presença do ministro da Economia no Parlamento era esclarecer pontos cruciais do projeto de reforma da Previdência e, com isso, fazer com que a tramitação da proposta não sofra atrasos. Mas isso não ocorreu, e o futuro da reforma tornou-se um pouco mais nebuloso. A causa maior de toda essa trapalhada é a falta de articulação do governo federal, que não estabeleceu canais de diálogo com o Congresso e agora paga por sua inabilidade política.

Deputados e senadores se mostram desconfortáveis com a ausência de entendimento com o Palácio do Planalto e cobram que a articulação seja, enfim, implementada no governo, para que o diálogo flua. Nessa quinta-feira, numa tentativa de mostrar que está mais flexível, Bolsonaro se reuniu com líderes de nove partidos. É um gesto de boa vontade e uma sinalização de que o presidente, enfim, busca se articular para evitar um revés no projeto mais importante do seu governo.

Essa iniciativa terá que passar, obrigatoriamente, pelo reposicionamento dos líderes do governo na Câmara e no Senado. Os representantes dos interesses do Executivo no Legislativo têm agido como elefantes em uma loja de cristais, e isso se transforma em obstáculos que o governo hoje enfrenta no Congresso. Já se passaram três meses desde a posse, e o Executivo pouco fez, justamente por não ter se articulado para dialogar com o Parlamento.

Em Minas, o governo Romeu Zema padece do mesmo mal. A Assembleia Legislativa já impôs ao governador algumas derrotas e deixou claro que é preciso o Executivo estadual ter uma articulação sólida no Legislativo e criar canais de diálogo. É necessário que todos entendam, de uma vez por todas, que articulação não significa troca de favores ou negociações sem transparência. Articulação leva ao diálogo, um dos pilares da democracia na história da civilização. Ao Parlamento, por sua vez, cabe não trocar emendas por apoio e não se envolver mais em escândalos como o mensalão. Enfim, parar de usar a articulação como instrumento de corrupção.

Compartilhe: