É hora de sair da arquibancada e entrar em campo. É preciso exigir alternativas eleitorais verdadeiras e cobrar soluções concretas
Um dado recente ajuda a explicar o Brasil de hoje. Segundo pesquisa conduzida pela More in Common Brasil em parceria com a Quaest, coordenada pelo professor Pablo Ortellado (USP), 54% dos brasileiros não se identificam nem com Bolsonaro, nem com Lula. Somos a maioria. Eu me incluo nesse grupo silencioso e pergunto: se representamos mais da metade do país, o que nos falta para de fato influenciar os rumos da nação? Essa maioria costuma ficar à margem do debate público e das estratégias eleitorais, embora tenha potencial para decidir o futuro político do país.
A pesquisa, uma das mais amplas já feitas sobre identidade política no Brasil, reuniu 10 mil entrevistas presenciais em todas as regiões e classificou os eleitores em seis perfis ideológicos. Dois deles concentram essa maioria silenciosa: os desengajados e os cautelosos, cada qual com cerca de 27% da população. São brasileiros comuns, que não marcham em protestos nem viralizam opiniões nas mídias sociais. Não se veem representados na gritaria ideológica e, justamente por isso, são eles que podem definir os rumos nacionais, inclusive a eleição de 2026.
Essa maioria não é homogênea. Os desengajados tendem a ter baixa renda, são majoritariamente negros e têm pouca escolaridade. Muitos compartilham valores conservadores, o que não significa adesão automática ao bolsonarismo. Já os cautelosos, de perfil semelhante, combinam conservadorismo nos costumes com preocupação social. Em ambos os grupos, o traço comum é o desencanto com a política tradicional. Não se veem nas brigas partidárias, que pouco dialogam com o cotidiano de suas vidas.
A mídia e o establishment raramente ouvem esse Brasil invisível. Não ocupam as telas nem as manchetes, e isso não significa apatia. Como explicou Pablo Ortellado, essas pessoas não são desinformadas, são desiludidas. Têm opiniões estruturadas e interesse público real, mas se afastaram da política institucional por saturação. Querem uma política com mais escuta e resultado, e menos vaidade e conflito.
Os sinais dessa mudança já aparecem. A mais recente pesquisa Genial/Quaest, de outubro de 2025, mostra que o governo Lula atingiu 48% de aprovação e 49% de desaprovação, o melhor resultado desde janeiro. É um empate técnico que revela um país ainda dividido, embora com leve melhora de humor entre os eleitores sem posição partidária, justamente parte dessa maioria silenciosa até então descrente. O dado sugere que, quando o governo age sobre problemas concretos, esse centro despolitizado reage com atenção.
Nos últimos meses, Lula avançou na reforma do Imposto de Renda e buscou diálogo até com interlocutores improváveis, como Donald Trump, em nome de resultados práticos. Essas iniciativas agradam a quem quer eficiência, não espetáculo. É um sinal de que, quando a política fala de vida real – comida, transporte, segurança, emprego – a maioria silenciosa responde. Ainda assim, acenos isolados não bastam para curar a crise de representatividade. É possível não ser bolsonarista e se opor ao lulismo. É possível e necessário numa democracia.
E agora? Continuaremos reféns da repetição de 2018 e 2022, escolhendo de novo o “menos pior” nesse duelo sem fim? Ou usaremos nossa força numérica para mudar o jogo? 2026 pode e deve ser o momento da virada. Como observou o jornalista Fábio Brito, é a oportunidade histórica de romper com o ciclo repetitivo das últimas disputas. Em vez de revivermos o mesmo roteiro de duas opções previsíveis, podemos construir uma política diferente, voltada aos problemas reais da nação, que dê voz à maioria silenciosa e rompa o círculo de ódio e medo.
Essa virada não virá do acaso. Depende de nós, os 54%. É hora de sair da arquibancada e entrar em campo. É preciso exigir alternativas eleitorais verdadeiras e cobrar soluções concretas dos governantes. Somos a maioria. Falta apenas usar esse peso para mudar, de vez, o destino do Brasil.


