O compromisso não deve ser postergado por conveniência
Seis meses de pandemia. Seis meses de aulas presenciais suspensas, do ensino fundamental à universidade, e uma discussão que se torna mais importante a cada dia: o que deve ser feito para reduzir os graves danos causados ao ensino público no Brasil pela Covid-19? Trata-se de uma necessidade premente, que não pode ser deixada de lado em nenhuma hipótese. Pelo contrário, deve ser posta na ordem do dia.
É pauta prioritária para as três esferas do Executivo e do Legislativo (municipal, estadual e federal), além de especialistas e organizações não governamentais que atuam no terceiro setor e contribuem para a redução das desigualdades educacionais. Entendo que somente esse esforço concentrado e planejado terá efeitos na diminuição das dificuldades oriundas da pandemia do novo coronavírus.
A péssima qualidade da educação pública é o maior problema estrutural do Brasil. Não sou eu quem diz isso, são os resultados dos testes de avaliação de desempenho escolar do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), o mais respeitado ranking de análise de qualidade educacional do mundo.
Enquanto nações como Vietnã, Coreia do Sul e Indonésia conseguiram se tornar líderes do ranking, com desempenho acima da média, o Brasil amarga, já há alguns anos, as últimas colocações, especialmente no que diz respeito à matemática, permanecendo na parte inferior do Pisa. No ranking divulgado em dezembro do ano passado, o Brasil estava em 74º lugar em matemática e em 68º em ciências.
O crescimento dos índices de evasão escolar, principalmente na faixa etária acima de 15 anos, e a perda de competitividade dos estudantes das escolas públicas em relação aos alunos dos estabelecimentos particulares de ensino são dois graves problemas decorrentes da pandemia já detectados por especialistas.
Teremos menos jovens com formação escolar completa, e os estudantes provenientes das camadas mais humildes não terão a mesma oportunidade de ingressar em uma universidade pública. É um indicador que sinaliza para o aumento da pobreza e da desigualdade social no futuro. E se pensarmos que os índices de desemprego, desigualdade social e pobreza já estão em patamares elevados, se constata que a gravidade do quadro exige ações rápidas e abrangentes.
Entendo que os investimentos em tecnologia e capacitação dos docentes são bons caminhos para tentar reduzir a taxa de evasão escolar e preparar melhor os alunos. Também se faz necessário tornar a escola pública atrativa, capaz de manter os estudantes interessados no aprendizado. A velha fórmula do quadro-negro, professor na frente de 30 a 40 alunos, já está superada.
Alguém pode argumentar que para tamanha correção de rota é necessário o uso de grande volume de recursos públicos, o que não está disponível no momento. Estou perfeitamente inteirado da perda de arrecadação de tributos no Brasil, em Minas e em Belo Horizonte, mas entendo que verbas podem ser remanejadas e reaplicadas, de acordo com a vontade política do Executivo.
O que não pode ser feito é transferir recursos da educação para as áreas de infraestrutura e defesa, como deseja o presidente Jair Bolsonaro. O compromisso com a educação pública não deve ser postergado ou cancelado por conveniência política.
A pandemia vai passar, a vacina se tornará realidade em breve. Entretanto, a contaminação da qualidade do ensino também precisa ser combatida. O poder público deve seguir esse rumo, sob pena de termos duas ou três gerações sem imunização contra a falta de conhecimento e a ignorância.