O que podemos aprender com os ônibus londrinos

Desembarquei em Londres nessa quarta-feira, 8 de julho de 2015, para uma visita rápida. A cidade não estava no roteiro, mas resolvi incluí-la na última hora. Fui recebido com uma greve no metrô. O jornal The Independent publicou uma notícia a respeito. Se a gente não vai por baixo, vai por cima mesmo. Os ônibus da cidade certamente ficaram mais sobrecarregados, mas se tornaram uma opção. Aliás, os veículos vermelhos de dois andares também constituiem um cartão postal da Inglaterra. Na década de oitenta, o prefeito Jânio Quadros importou o modelo para Sao Paulo. Digamos que a ideia não prosperou, mas há muita coisa que podemos aprender com o sistema de transporte público por rodas que existe aqui.

A cidade avançada não é aquela em que os pobres andam de carro, mas aquela em que os ricos usam transporte público.

A – Quando eu era criança, meu avô me levava para passear de ônibus. Era uma diversão para nós no início da década de noventa! O tempo foi passando e começei a utilizar o veículo como forma de transporte. Eu me recordo de uma época em que a passagem custava trinta e cinco centavos! 

B – Quando estudava no Instituto de Educação de Minas Gerais, bastava caminhar pela Avenida Afonso Pena para ir e voltar. Ao ingressar no Colégio Militar de Belo Horizonte, o transporte público passou a ser fundamental. Com 11 anos de idade, eu contava as moedas para utilizar uma linha que passava na Praça Sete de Setembro e me deixava na porta da escola, na Pampulha: era o ônibus 9502. Começei a frequentar a faculdade e a rota mudou. Para ir para a PUC-Minas, no Coração Eucarístico, eu poderia escolher o 5401, 0 9410, o 4110 ou o 4111. Eu me lembro até hoje daquele difícil posicionamente antes de embarcar. Ficava imaginando onde o ônibus iria estacionar no ponto, para, concorrendo com a multidão, tentar entrar primeiro e conseguir viajar sentado. Nem sempre adiantava… Tenho certeza que se equilibrar num ônibus lotado é habilidade que muitos cidadãos em Belo Horizonte desenvolveram com o tempo. Optei por duas graduações e o 2104 me conectava do Centro até a Faculdade de Direito Milton Campos. E quantas vezes me vi correndo batendo na lateral da lateria do ônibus para o motorista não me deixar para trás…

CHoje em dia, possuo um cartão BHBus e não preciso contar moedas. Passo o cartão na leitora, giro a catraca e me locomovo. A maioria dos deslocamentos que faço na cidade são por bicicleta, confesso. Todavia, o ônibus segue me levando para faculdade. Agora, enquanto professor e não mais como aluno. Acompanho os movimentos sociais na cidade que pedem um melhor transporte público para as pessoas. Um deles, inclusive, pede o fim da cobrança da tarifa (na realidade, a proposta não é o transporte gratuito, mas custeio por 100% de subsídios através dos impostos).

D – O transporte público em Londres atingiu um nível de eficiência que a capital mineira ainda sonha possuir. No último ano, a empresa pública Transport for London (TfL) gastou 6,8 bilhões de libras para operar o sistema de ônbius, trem e metrô e gerou 4,8 blhões de libras em ganhos através das tarifas. Você pode acessar o relatório aqui. Ou seja, a taxa de retorno desse serviço subsidiado pelo governo (pelos impostos que todos pagam) atingiu uma marca de 70%. Dessa forma, o transporte público é majoritariamente pago pelos seus usuários, deixando para os cidadãos da cidade apenas uma fatia nos custos. É sempre bom lembrar que tarifa é algo que você paga para utilizar algum serviço. No Brasil, as pessoas costumam se esquecer disso.

E – Não para nisso! A agência de transportes londrina tem a seguinte meta: até 2020, o sistema vai fechar. Ou seja, todo custo será pago pelos usuários sem a necessidade de subsídios. Ao invés de uma “tarifa zero”, aqui há uma eficente “tarifa total”. Num esquema de vasos comunicantes, as linhas que geram mais arrecadação vão sustentar as linhas que arrecadam menos. Ou seja, o completo oposto de uma ausência de tarifa.

F – E o que faz o sistema de transporte público em Londres ser tão eficiente? Desde 2008, o poder público trabalha com a seguinte meta: reduzir custos de operação e aumentar a qualidade do serviço. Parece contraditório, mas a agência londrina considera que o trânsito deve operar mais como um negócio privado do que como um serviço público. E, vale dizer, não se trata de um serviço privatizado ou concedido a empresas por aqui. É mentalidade empresarial aplicada à política pública. Aumentar a qualidade reduzindo custos é algo que todas as empresas fazem sempre sem supreender ninguém. Eu sou desses que acredita que o Estado pode ser eficiente. Pode, não! Deve!

G – No Brasil, os políticos geralmente não defendem que as passagens aumentem até que o orçamento seja completamente impossível de se ignorar. Isso deixa todo mundo com raiva, por que, de repente, a tarifa salta de um valor para o outro sem maiores explicações. Isso também faz os cidadãos acreditarem que o aumento das taxas é algo que deve raramente ocorrer. E, mesmo nao sendo apenas pelos vinte centavos que aumentaram certa vez, sabemos que os brasileiros podem ficar muito bravos e ir para as ruas por esse motivo. Considero que o transporte público é uma das cinco maiores prioridades do país (ao lado infraestrutura, educação de qualidade, segurança pública e qualidade na adminsitração governamental).

Só há duas coisas certas na vida: a morte e os impostos.

H – Em Londres, pelo contrário, a tarifa aumenta com data marcada. A questão por aqui não é quanto, mas quando! A grande diferença entre o aumento brasileiro e o aumento inglês é que por aqui fica muito claro por quais razões a taxa aumenta. Com trânsparencia, se evidencia quais custos se elevaram para manter o sistema funcionando ano após ano.

IAo contrário de Belo Horizonte, onde há uma tarifa fixa para todos os usuários, Londres tem custos diferentes de acordo com a distância que percorrem e a hora do dia que utilizam o transporte, por exemplo. Isso garante um transporte mais barato para quem utiliza muito e auxilia o trabalhador que precisa utilizar mais de um veículo na sua rotina. Logo, quando uma tarifa sobe, inúmeros são os calculos utilizados para garantir tal justificativa.

J – O que faz com que as pessoas considerem as tarifas mais palatáveis é a exata noção do que o dinheiro delas esta custeando! Com esse tipo de medida, a cidade conseguiu financiar uma novidade para 2015: transporte público funcionando 24 horas no fim de semana. Vale ou não vale a pena investir na cobrança inteligente de tarifas? Imaginem o impacto ecônomico positivo que essa medida vai gerar. O serviço extra não vai gerar um impacto negativo na operaçao. Pelo contrário, vai gerar lucro.

K – Toda melhoria no sistema precisa ser eficiente para ser efetiva. Ou seja, não pode haver desperdício! Pela linha Victoria, passam 34 módulos por hora, ou 1 a cada 107 segundos. Determinar se essa quantidade deve ou não aumentar não é apenas uma questão de agenda e logística, mas também do impacto de custos adminsitrativos que a mudança trará. Uma modificação que seja inviável financeiramente prejudica o sistema, o usuário e o cidadão que paga impostos ao mesmo tempo. Isso quer dizer que alguém vai ficar sem transporte? De jeito nenhum! Isso quer dizer que tudo é feito de maneira bem pensada.

L – Uma coisa que precisa ser copiada de Londres é a informação disponibilizada para usuários nos pontos de ônibus. Uma das coisas que desmotivam o usuário em Belo Horizonte é a impossibilidade de saber que horas o onibus vai passar e quanto tempo levará ao destino. Aqui, aplicativos de celular e painéís nos pontos mostram exatamente onde está cada veículo. O aplicativo é aberto e, dessa forma, desenvolvedores podem criar outros aplicativos específicos. Há internet grátis em todas as estações de metrô e em pontos de ônibus muito movimentados. Não há política pública que se preze sem georeferrenciamento hoje em dia.

M – A TfL também tem muito a ensinar para a BHTrans sobre tecnologia de cobrança. Além do cartão Oyster, um sistema rápido parecido com o cartão  BHBus, a empresa pública iniciou um sistema de cobrança direto de cartões de crédito e cartões de débito. Ao financiar o transporte diretamente com o sistema financeiro, os usuários não precisam comprar mais as passagens.

N – A vantagem clara do processo é a redução dos custos. 14% dos gastos da TfL eram utilizados na emissão de passagens. Hoje em dia, esse valor caiu para 9% e segue caindo. A partir do ano que vem, não existirão mais tíquetes e se prevê uma economia de 60 milhões de libras por ano.

0 – Essas iniciativas possuem outra vantagem: a agilidade. Um pagamento mais rápido representa um embarque mais ágil. Ou seja, ônibus mais velozes! O que garante mais capacidade em atender passageiros. Sobretudo, essa forma de cobrança motiva vários tipos de usuários que encontram barreiras para utilizar o sistema de transporte público.

P – Os metroviários que estão em greve, podem ficar ainda mais preocupados. A TfL os considera uma tecnologia obsoleta. Fica feio dizer isso, mas é a maneira mais direta e sincera. O plano da agência é fazer do metrô um sistema completamente automatizado na próxima década. Os benefícios são os seguintes: menos custos trabalhistas e maior qualidade, pois os computadores podem operar trens de alta frequência com uma habilidade que os humanos não possuem. Parece algo muito terrível acabar com esses postos de emprego, mas o desejo que qualquer pessoa deve ter é a melhoria na vida desses cidadãos. O governo deve garantir uma qualidade educacional que os garanta postos de trabalho com salários e condições melhores. Nenhuma ação política deve prejudicar a coletividade em detrimento de apenas uma classe profissional. Se assim fosse, até hoje estariamos iluminando as cidades com óleo de baleia para não desempegrar aqueles que iam acendendo as lamparinas de poste em poste.

Q – As tarifas represetam 86% da receita da TfL. Você sabe dizer qual a segunda maior fonte de arrecadação?

RA publicidade! A TfL é a maior anunciante do Reino Unido. Ao contrário da maioria das agências, a maior parte das receiras advém de pubclidade física: ou seja, nos veículos e nos pontos de embarque e desembarque. Foram 61 milhões de libras em 2014.

S – A TfL criou uma tarifa que se chama taxa de congestionamento. Em resumo, o motorista que quiser utilizar seu veículo em determinada parte da cidade, precisa pagar uma taxa. A medida visa descongestionar, sobretudo as áreas centrais, e aliviar o tráfeco priorizando o transporte público. Em 2014, arrecadou-se 235 milhões de libras, quase 5% de toda a receita da TfL, com a cobrança da taxa de congestionamento.

T – No Brasil, essa medida assusta as pessoas. Podem imaginar que o cidadão ficaria prejudicado na sua locomoção, mas as áreas onde a taxa vigora são bem servidas com transporte público. E a melhoria é positiva para a coletividade.

U – Em Belo Horizonte, as tarifas são as mesmas, o sistema é pouco integrado, a publicidade é pouco utilizada, o usuário não sabe onde está o seu veículo de transporte e nem que horas ele vai passar. Há muita ideia por aqui que pode ser implementada no Brasil.

V – Uma das coisas que acho fundamental na execução de qualquer política pública é trabalhar com dados. Toda vez que um cidadão de Londres passa seu cartão Oyster entrando num ônibus ou saindo de um metrô, tal fato gera uma informação no sistema. Onde se embarca, para onde se vai e quanto tempo isso leva? Tal procedimento gera um sistema inteligente onde o planejamento é possível!

X – Como você pode utilizar isso? Sobretudo você pode visualizar como a cidade pulsa! Em Belo Horizonte, recentemente, fizeram uma pesquisa para entender a mobilidade urbana. Tratava-se de um questionário! Como dizem por aqui: Oh, dear! (Minha nossa!) O correto é dispor para cada passageiro uma forma de demosntrar onde ele embarca e onde ele desembarca. Isso permite entender como a cidade se mexe. Veja com seus próprios olhos no vídeo abaixo. Essa é Londres pulsando diariamente com 16 milhões de locomoções numa típica quarta-feira de 2011. O dia foi reduzido numa animação de um minuto.

WE se no Brasil andar de ônibus fosse uma experiência uma pouco melhor do que se sentir numa lata de sardinha? Você abriria mão do seu carro para ir trabalhar com transporte público.

Y – Eu não sei se você já parou para pensar quanto tempo gasta indo de casa para o trabalho e do trabalho para casa. Há quem use seis horas de um dia para tal finalidade! Estamos falando de 25% de um período de 24 horas! Ou seja, você pode passar cerca de um quarto da sua vida preso num engarrafamento! Quem deseja isso para si póprio?

Z – Pode parecer coisa de um sonhador querer ver práticas como essa no lugar onde vivemos. Pode parecer lunático querer reduzir o uso dos carros. Todavia, eu realmente acho que vale a pena tentar. Se você prefere ficar grande parte do seu tempo dentro de um carro, acredite, você está perdendo muito do que esse mundo tem a oferecer. E finalizo com duas provocações a quem acredita que reduzir a tarifa a zero resolveria todos os problemas: 1) Qual pesquisa mostra que se a tarifa fosse zero, quem usa carro deixaria de fazê-lo? Pressinto que muitas pessoas que podem utilizar o veículo individual, seguiriam utilizando-o, mesmo se não pagassem nada pelo ônibus. Claro que todo mundo quer sempre pagar menos ou não pagar nada, mas o fator que motiva alguém a usar ou não usar um serviço é a sua qualidade! 2) Se o objetivo do menor custo, ou custo zero, é melhorar a capacidade de transporte para quem não tem condições para poder aproveitar a cidade como lazer, por que não criar um vale cultural que agrega eventos e espaços no fim de semana ao sistema de transporte público? Londres deixa muito claro que pensar um sistema de forma mal planejada imbutindo custos que não planejados gera o colapso. O Brasil vice uma crise financeira e adminsitrativa onde falta dinheiro para tudo. Não é criando um grande volume de subsídios sem pensar num sistema de qualidade que a gente vai melhorar a vida do cidadão. Numa discussão séria, a gente parte de princípios: os meus envolvem uma cidade sustentavel sob todos os aspectos, inclusive o financeiro.

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