Democracia e combate à corrupção dão resultado contra Covid-19
Desde que a pandemia do novo coronavírus alastrou-se e ganhou proporções globais, o mundo voltou boa parte de suas atenções para a Nova Zelândia, Estado-nação cujo território compreende duas ilhas maiores e uma população de 4,9 milhões de habitantes. Aquele povo situado na Oceania, a sudoeste do oceano Pacífico, venceu a Covid-19,teve um número ínfimo de casos e mortes e, nesta semana, declarou oficialmente que não há mais registros da doença em seu espaço territorial.
O exemplo de sucesso, sem similar nesta crise, é normalmente atribuído à ação eficaz das autoridades, sustentada no carisma e na capacidade de liderança da primeira-ministra Jacinda Ardern, 39. Assim que os primeiros casos de Covid-19 foram registrados em solo neozelandês, as fronteiras foram fechadas, o governo implantou isolamento social, aplicou testes em massa e superou o desafio. O engajamento da população no esforço nacional contra a doença foi fundamental para essa superação.
Entretanto, há mais razões para que a Nova Zelândia tenha conseguido eliminar o vírus (o que não descarta a possibilidade de surgirem novos casos). Trata-se do quarto regime mais democrático do planeta, de acordo com o Democracy Index da revista inglesa “The Economist”, fato que foi primordial, a meu ver, para o sucesso da mobilização contra o novo coronavírus. Da mesma forma, e também por isso, não há espaço para a corrupção. Segundo a Transparência Internacional, a Nova Zelândia é a segunda nação menos corrupta do mundo. Com democracia e sem corrupção, os neozelandeses obtiveram êxito.
Há quem, de maneira incorreta, afirme que, por ser formada por duas ilhas e ter baixa densidade demográfica, a Nova Zelândia tem características que tornaram mais fácil o combate à pandemia. Entretanto, outras ilhas não conseguiram performance sequer semelhante. E há mais argumentos que se contrapõem a essa tentativa de desconstrução do sucesso da administração de Jacinda Ardern: a quase totalidade das nações mais democráticas do mundo apresentou resultados melhores no combate ao vírus, enquanto governos mais autocráticos, como Irã, Turcomenistão e Nicarágua viram a pandemia sair do controle.
Mais sobre a democracia neozelandesa: o país é uma monarquia parlamentarista. A rainha Elizabeth II, que está em Londres, é a chefe de Estado. A governadora geral, Patsy Reddy, é a representante da rainha. Jacinda Ardern, a primeira-ministra, é quem de fato governa e, para isso, conta com maioria apertada na Câmara dos Deputados, que tem 120 assentos. O bloco que apoia o governo é estruturado por 55 parlamentares de dois partidos, além de oito integrantes do Partido Verde. A oposição, do Partido Nacional, tem 55 cadeiras, além de um deputado sem partido e outro do ACT. Placar de 63 a 57.
Mesmo diante da pequena margem de governabilidade, feita sem “centrão”, a Nova Zelândia se uniu para superar a pandemia. É assim que funciona em uma democracia. Não importa qual seja o sistema de governo: parlamentarista, presidencialista ou semipresidencialista. O fulcro é o regime. Ou é uma democracia ou é uma autocracia. E, no Brasil, temos um presidente que se esforça para nos levar rumo às tormentas autocráticas. Nossa democracia, passa por um processo de corrosão. Ao mesmo tempo em que combatemos o coronavírus, temos que enfrentar os males autoritários, iliberais, majoritaristas e populistas cada vez mais fortes que acometem o presidente, os integrantes de seu governo e seus seguidores.