O vazio no parque Municipal de Belo Horizonte

População tem dificuldade de acesso ao local de contemplação, lazer e esporte

Desde criança, vivendo na esquina da rua dos Tupis com rua Rio de Janeiro (e já vão 36 anos), sempre frequentei o Parque Municipal, que existe desde 26 de setembro de 1897. Tenho na memória a sensação de uma das mãos dedilhando o gradil enquanto a outra era segurada pelo meu avô caminhando rumo aos estudos no Instituto de Educação, driblando as ciganas com dentes de ouro que queriam prever o meu futuro… Aliás, as grades que o cercam não existiam na fundação, surgiram nos anos 20, sumiram nos anos 40 e voltaram nos anos 70. Um dia, a gente arranca de vez.

Por alegadas razões, entre Covid-19, raiva animal e possíveis ataques alienígenas, quem sabe, essa enorme área verde no centro de Belo Horizonte está há tempos com um só acesso permitido, em frente à avenida Álvares Cabral. Obviamente não faz sentido. E não é só chegar… é necessário “agendamento prévio”. Na prática, basta você apontar a câmera do celular para um QR Code na entrada e fazer um breve cadastro. OK. Todavia, no site do parque, a expressão “agendamento prévio” não é sequer um hyperlink em que se clica.

Então, quem não confere esse fato no local, fica obviamente desmotivado e perdido. Em 2022, eu não consigo dizer que isso é apenas preguiça do responsável. Fosse eu prefeito, o barulho do xingo atravessaria a copa das árvores do parque e talvez até destamparia o ribeirão dos Arrudas canalizado de forma imprópria do outro lado com direito a ruflar de aves para dar um tom cinematográfico…

No entanto, nosso atual prefeito tem a fala mais suave. A convite dele, estive no parque nos últimos dias. Fui ver o lançamento do programa para uma cidade mais feliz, afinal quem quer uma cidade mais triste, não é mesmo? O nome é ao menos realista na urgência. Banda da Guarda Municipal, discursos, aplausos… Meu apoio total. Sendo bom para Belo Horizonte, eu pedalo e vou. E voltei depois ao parque, numa das suas bordas abandonadas, o Mercado das Flores, essa semana, continuando uma reunião na Belotur. A antiga estação de bondes sem nada, o antigo Othon Palace fechado, a esquina da rua da Bahia com um prédio grotesco vazio, muitas lojas do Sulacap-Sulamerica a alugar são cenas que deixam quem ama Belo Horizonte muito infeliz. Sobretudo quem sabe que esse mesmo espaço foi o centro do centro com o bar do Ponto.

Acho que minha visita vai render bons frutos, para além de um edital de ocupação que está para sair, mas volto a falar sobre isso depois para não perder o foco. Ao admirar o parque daquele balcão da nossa principal avenida à tarde, notei outra vez o vazio mirando o coreto, aquele marco alvinegro. Minto: havia muitos gatos, e eles pareciam se divertir, afinal nascem pobres, porém já nascem livres… Gente não havia. Nenhuma alma. Oras, nosso mais antigo espaço verde abre de terça-feira a domingo, das 8h às 17h. Só. Injusto que apenas os felinos aproveitem-no tão bem.

Para comparar com cidades com as quais devemos nos comparar, dado que somos a capital das Minas Gerais, uai!, o Central Park, de 1857, em Nova York, fica aberto de 6h até 1h da manhã, e o Hyde Park, de 1637, em Londres, fica aberto de 5h da manhã até meia-noite.

Existe a tal rotina de trabalho, doentia por várias razões. E, infelizmente, das 8h às 17h, a maior parte das pessoas está precisamente dentro desse espaço de tempo. É geralmente antes e depois que sobram momentos para contemplação, esportes e lazer, tudo que o Parque Municipal Américo Renne Gianneti (um ótimo prefeito, cujo relatório da administração deve-se ler) pode oferecer, quem sabe, das 6h às 21h, né? Prefeito Fuad, meu caro, por favor, ligue para o Gusto, responsável pelo espaço. Sei que cuidar de tantas áreas verdes nessa cidade deve ser muito trabalhoso, mas se fosse fácil se chamaria “pudim”, e não Fundação de Parques Municipais e Zoobotânica. A função do Poder Legislativo é essa. Se é para a cidade ficar mais feliz (e também mais saudável), um dia só no mês não basta.

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