Preservar é fundamental, mas repensar o uso é crucial
Uma das esquinas mais conhecidas da capital mineira, entre as ruas da Bahia, Goiás e dos Goitacazes, também praça Alberto Deodato, guarda um episódio importante. Em 1983, muitas pessoas se reuniram no então Cine Metrópole em protesto contra o Bradesco, que havia adquirido o edifício e pretendia demoli-lo para a construção de um prédio.
O Iepha chegou a aprovar o tombamento provisório, mas os proprietários agiram destruindo o interior. Por fim, o tombamento não se deu e, no lugar do exemplar art-déco, existe hoje algo tão horrendo que, pela feitura e pelo histórico, merece uma demolição. Esse triste momento rendeu à cidade, no entanto, em 1984, por meio da lei municipal 3.802, o Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte.
O órgão é composto por representantes da sociedade civil, do Poder Executivo e do Poder Legislativo. Tenho a honra de ter sido indicado o representante da Câmara Municipal desde 2021. A reuniões ocorrem mensalmente quando são analisados e deliberados os processos de inventário, registro imaterial, registro documental, as propostas de intervenção nos conjuntos urbanos protegidos e em imóveis tombados, além do próprio tombamento.
Imóveis preservados, mas vazios
Diante de conselheiros que possuem profundo conhecimento, votei silenciosamente ouvindo com muita atenção por quase dois anos até tomar coragem para formular um parecer sobre tombamento, que foi aprovado nesta semana.
Na Alameda das Acácias, número 448, no bairro São Luiz, nos limites da Área de Diretrizes Especiais da Pampulha, situado à zona fiscal 374, quarteirão 014, lotes 022 e 024, existe um imóvel do qual eu jamais vou esquecer. No contexto do Conjunto Arquitetônico Modernista reconhecido pela Unesco, essa residência foi projetada em claro estilo da época. Merece ser preservada, é claro. E isso levanta outro debate. Preservada para que?
Desde 2016, as portas estão praticamente trancadas. Outras residências similares na região estão vazias há anos. Há algumas semanas visitei uma casa assinada por Oscar Niemeyer. Tombada. Vazia. A família tenta vender e não consegue. O mesmo na Cidade Jardim. Preservar é fundamental. No entanto, repensar o uso é crucial. E inaceitável que a Pampulha, por exemplo, não tenha a orla repleta de estabelecimentos como bares e restaurantes, além da via pensada sobretudo para pedestres. É inadequado que seja praticamente proibido abrir comércios na região. Isso está destruindo o nosso patrimônio.
Mil imóveis aguardando tombamento
Existe uma fila de pedidos de tombamento com mais de mil imóveis! O pedido de tombamento desse imóvel que relatei existe desde 2003. Duas décadas! A prefeitura precisa ampliar os recursos para a Secretaria Municipal de Cultura de modo a acelerar esses procedimentos ao mesmo tempo que repensa o uso patrimonial na cidade.
Já estou com meu próximo relatório pronto. Nesse caso, uma casa eclética do Bairro Santa Tereza. Antes, dediquei-me profundamente ao tombamento do Conjunto Governador Juscelino Kubitschek, o JK, tombado no início desse ano com muita mobilização dos moradores. E, em breve, também por insistir muito através do projeto janelaaberta.com.br, veremos publicado o decreto de desapropriação do anexo que desconfigura o Conjunto Sulacap-Sulamerica, devolvendo aquele espaço à cidade.
Patrimônio não pode ser apenas preservado
O patrimônio pode ser ressignificado. Atualmente, ao lado do meu sócio Leonardo Paixão, possuo um estabelecimento de jazz no antigo Salão de Música do Automóvel Clube de Minas Gerais. As pessoas que entram ficam boquiabertas. Ainda esse mês, promoverei eventos no topo do edifício projetado por Oscar Niemeyer na Praça Sete ao longo de semanas.
Quem vê a cidade lá de cima se encanta na cintilante torre do P7. O edifício onde moro, obra incrível de Raphael Hardy Filho, com uma fachada repleta de pastilha azuis e rosas vai entrar na fila. Nosso patrimônio não pode ser apenas preservado. É preciso criar formas economicamente viáveis de uso sustentável de modo a garantir a preservação. Isso é carinho. Isso é cuidado.