BH + SUJA
Se prometer limpar a lagoa da Pampulha – para depois descumprir em seguida – desse dinheiro, muita gente já teria ficado rica. A despoluição desse símbolo da nossa cidade já atingiu o patamar de lorota mitológica da capital mineira – comparável apenas aos buraquinhos feitos no centro da cidade para anunciar a chegada do metrô em 2012, lembram?
Uma busca rápida mostra que, em 2011, o secretário de governo da gestão Marcio Lacerda anunciou que a revitalização da lagoa seria concluída até 2013. No início de 2016, ainda na gestão de Marcio Lacerda, o então secretário municipal de Obras e Infraestrutura anunciou um projeto que seria realizado em um ano. Em 2017, na gestão seguinte, o secretário de Obras comemorou o resultado: anunciava que seria possível navegar na lagoa, mas ainda não seria hora de nadar e pescar. Em 2018, a Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura assinou outro contrato com o Consórcio Pampulha Viva. E, em 2021, foi apresentado outra vez um plano de despoluição, dessa vez com a participação da prefeitura de Contagem.
O mais bem-sucedido dos projetos de limpeza da lagoa da Pampulha ocorreu ainda na gestão de Patrus Ananias, mas não foi fruto de nenhum contrato milionário da prefeitura com empreiteiras. A ação foi doada por um então morador da região, o empresário Vittorio Medioli, hoje o competente prefeito do município de Betim. Ora, se a boa vontade de Vittorio Medioli resolveu o problema no momento, com a notável retirada dos aguapés que mudou a paisagem no espelho d’água, não se viu ação similar de quem tem amplos recursos para investir no projeto. O que se vê hoje, aliás, é desleixo.
Nesta semana, o Tribunal de Contas de Minas Gerais (TCE) suspendeu liminarmente uma nova contratação, que teria o valor de R$ 60 milhões, para desassorear a lagoa. O motivo apontado entrega o desleixo com que o tema vem sendo tratado na administração da cidade: o edital indicava como lugar para depositar os sedimentos retirados da lagoa um local tombado pelo patrimônio histórico e artístico estadual. Ou seja: quem fez o projeto sequer se deu ao trabalho de conferir onde iria armazenar a sujeira e o que há em volta da lagoa e seu conjunto arquitetônico tombado como patrimônio da humanidade.
O tamanho desleixo na formação do projeto já foi suficiente para que o TCE suspendesse a contratação, mas a leitura completa do parecer do Ministério Público de Contas é ainda mais incômoda. A procuradora autora da representação indica que o objeto do contrato era demasiadamente amplo, com exigências que diminuiriam a competitividade dos concorrentes: ou seja, apenas empresas específicas poderiam se habilitar. Sem ampla concorrência, a possibilidade de favorecimento é algo a ser verificado, e uma das soluções seria o parcelamento do objeto, permitindo que diversas empresas, inclusive algumas menores, pudessem participar.
Alertas de que projeto de dessassoreamento da lagoa era falho
Antes da interrupção do TCE, os próprios técnicos da prefeitura já tinham alertado internamente na administração que o projeto estava falho. A Superintendência de Planejamento Urbano (Suplan) do Município de Belo Horizonte alertou para a necessidade de planos mais efetivos para o controle da produção e da movimentação de sedimentos, de modo a gerar menor necessidade de dragagens tão frequentes no corpo d’água da Lagoa da Pampulha. Afinal, deve-se atuar na causa do problema, e não em contratar repetidamente empreiteiras para dar soluções paliativas.
Aliás, na época do licenciamento do Parque Ecológico Promotor José Lins do Rêgo, a promessa foi o desassoreamento e recuperação integral da enseada do zoológico até 2021. Agora, o Tribunal de Contas do Estado teve que impedir uma licitação que previa o uso da área, que deveria estar integralmente recuperada no ano passado, para acumular a sujeira retirada da lagoa.
É complexo chegar a conclusões precipitadas, mas os elementos dão a entender que a insistência em mover a sujeira de um lado pro outro, em vez de realmente combater a causa, pode estar interessando muito a alguns agentes. Por isso, no início do ano, colhi assinaturas suficientes para a abertura de uma CPI da Pampulha na Câmara Municipal. O documento foi protocolado. Acho que é bom momento para abri-la para deixar a cidade mais limpa.